Joana Lopes, Rui Flores, Maurício Peixoto, Guilherme Alpedrinha, Sofia Caridade
Introdução
A infeção grave por Citomegalovírus é uma entidade comum em doentes imunodeprimidos, mas rara em imunocompetentes. O espectro clínico varia entre o doente assintomático e um síndrome mononucleósico com febre arrastada, astenia e linfocitose absoluta. As manifestações respiratórias em imunocompetentes são raramente descritas na literatura, pelo que carece de diretrizes de tratamento.
Caso Clínico
Jovem de 20 anos, sexo feminino, sem antecedentes pessoais de relevo, apresentou quadro de dor abdominal e tonturas com um mês de evolução, posteriormente associado a vómitos, febre, otalgia e odinofagia, motivo pelo qual se dirigiu ao serviço de urgência. Exame objetivo sem alterações de relevo excetuando dor abdominal nos quadrantes inferiores à palpação. Observação da Otorrinolaringologia excluiu sinais de inflamação orofaríngea. Analiticamente apresentava anemia, trombocitopenia e contagem leucocitária normal, apesar de atipia linfocitária, haptoglobina <8 mg/dL. Neste contexto foi internada para estudo de bicitopenia. No segundo dia de internamento apresentou insuficiência respiratória tipo 1 de novo. Constataram-se densificações parenquimatosas em tomografia computorizada sugestivas de pneumonia bilateral extensa, associada a procalcitonina de 4.56 ng/mL. Iniciou empiricamente levofloxacina. Encaminhada para unidade de cuidados intermédios, onde permaneceu 4 dias. No estudo etiológico subsequente a serologia anti-CMV foi positiva. Pesquisa do CMV por PCR positiva no plasma e expetoração. Restantes exames microbiológicos e serologias infeciosas foram negativos assim como o estudo imunológico. Na mesma altura, constatou-se lesão hepática com padrão citocolestático, hiperferritinémia e hipertrigliceridémia. Ecografia abdominal documentou hepatoesplenomegalia. Melhoria clínica e analítica progressivas com tratamento de suporte. Alta após 29 dias de internamento.
Discussão
As manifestações respiratórias por CMV são raras em imunocompetentes. Apresentamos o caso de uma jovem imunocompetente com quadro pneumónico bilateral grave em contexto de um síndrome mononucleósico a CMV. Equacionou-se a possibilidade de síndrome hemofagocítico desencadeado pela infeção por CMV. O alívio clínico foi obtido apenas com tratamento de suporte. Segundo a literatura, a terapêutica antivírica com ganciclovir ou valganciclovir dirigida a infeções por CMV em imunocompetentes não tem benefícios bem esclarecidos, apesar da melhor resolução do quadro em casos clínicos publicados. A aplicação de terapêutica antivírica no contexto de doentes imunocompetentes com infeção por CMV sintomática deve ser revista para futura orientação de quadros clínicos mais graves e não autolimitados.