José Pereira, Juliana Magalhães, Carina Rolo, Teresa Vilaça, Inês Antunes, Ivone Barracha, Rosa Amorim
A síndrome do anticorpo antifosfolipídeo (SAAF) é uma doença sistémica auto-imune caracterizada por trombose arterial e venosa, morbidade gestacional e presença de níveis séricos de anticorpos antifosfolipídeos elevados (anticoagulante lúpico, anticardiolipinas e Anti-B2 Glicoproteina I). O diagnótico definitivo da SAF requer a presença de pelo menos um critério clínico e um laboratorial. A síndrome pode ser classificada como primária, na ausência de doenças associadas ou de base, e secundária, quando associada a um largo espectro de doenças, nomeadamente doenças imunológicas, malignidade, hematológicas, neurológicas e infecciosas.
Apresenta-se o caso de um homem de 46 anos, que recorreu ao SU por quadro de febre, mialgias e cefaleia holocraneana com cerca de 4 dias de evolução. Dos antecedentes pessoais salienta-se episódio de trombose venosa do membro inferior há cerca de 10 anos. Da história epidemiológica referia viagem recente a Marrocos e contacto com gado ovinos e caprino. Na observação apresentava-se febril, normotenso, normocárdico, sem alterações cutâneas, sem alterações na auscultação cardiopulmonar, abdómen indolor, sem organomegalias e sem alterações ao exame neurológico. Analiticamente sem alterações do leucograma, PCR 4,6mg/dL e LDH 366U/L, Weil Felix positivo, Ag Hbs, Ac Anti-VHC, Ag p24 e Ac Anti-VIH 1/2 negativos, sedimento urinário sem alterações. TC-CE sem alterações. TC dos seios peri-nasais com sinusopatia etmoidal e maxilar. Ecografia abdominal sem alterações.
Ficou internado por síndrome febril, tendo sido medicado com doxiciclina por suspeita de zoonose, com posterior confirmação de serologia positiva para febre escaro nodular. Ao 4º dia de internamento inicia quadro de dor a nível gemelar do membro inferior direito, com edema e rubor. Analiticamente com D-Dimeros elevados e Ecodoppler venoso com confirmação de quadro trombótico oclusivo do eixo femoropopliteotibial e quadro oclusivo das veias gemelares e da veia safena externa. Do estudo de trombofilias destaca-se mutação heterozigótica do fator V de Leiden e anticoagulante lúpico positivo. Foi medicado com enoxaparina e posteriormente varfarina com melhoria sintomática progressiva e posterior alta para consulta.
Os autores apresentam este caso não só por se tratar de uma patologia pouco frequente, mas pela sua apresentação associada a febre escaro-nodular, que poderá ter contribuído para a manifestação da SAAF e possibilitado o seu diagnóstico. Sendo que o prognóstico da SAAF é bastante variável, o diagnóstico e o tratamento precoce poderão contribuir para a redução da mortalidade e morbilidade associados a esta síndrome.