José Miguel Ferreira, Marinha Silva, Cristina Moreira Marques, Carina Costa e Siva, Carla Lemos Costa, Carlos S. Oliveira
Introdução: O Lúpus eritematoso sistémico (LES) é uma doença auto-imune, com possibilidade de envolvimento de vários órgãos e sistemas. O envolvimento gastrointestinal ocorre em mais de 40% dos doentes e manifesta-se por dor abdominal, disfagia, refluxo gastroesofágico, obstipação, diarreia, hemorragia, pseudo-obstrução ou perfuração intestinal.
Caso clínico: Mulher de 34 anos, operária têxtil, hipertensa, obesa, com síndrome ansioso e artrite reumatóide com fator reumatóide negativo e anti-CCP positivo, diagnosticada aos 33 anos e seguida em consulta de Reumatologia. Evidência de sacroileíte à direita e desde há 6 meses com gonalgias de ritmo misto, artralgias dos punhos e articulações interfalângicas proximais, câimbras recorrentes da região gemelar, sem despertares noturnos e sem rigidez matinal. Sob salazopirina e anti-inflamatórios não esteróides quando agudização da doença, sem recurso a corticoterapia. Antecedentes familiares de porfiria cutânea tarda. Contexto epidemiológico irrelevante. Iniciou em fevereiro de 2017 episódios de dejecções diarreicas com muco e sangue, dor abdominal e febre. Internada por suspeita de doença inflamatória intestinal. Estudo analítico sem alterações de relevo, porfirinas urinárias normais e exclusão de parasitoses e gastroenterites bacterianas. Fez TC abdomino-pélvica, que revelou espessamento parietal difuso do cego, cólon ascendente, ângulo hepático e porção proximal do cólon transverso, associado a significativa densificação da gordura mesocólica e presença de adenopatias adjacentes. A colonoscopia revelou válvula ileocecal com área de mucosa ulcerada e friável com cerca de 15mm, cólon direito com áreas dispersas de eritema e congestão, com zonas de coloração violácea, cólon esquerdo com mucosa congestiva e edemaciada. No exame histológico observaram-se retalhos de mucosa cólica com presença no córion de moderado edema, sem microorganismos ou áreas de erosão/ulceração. Manteve seguimento em consulta de Gastroenterologia com alta após repetição de colonoscopia em 12/2017, que não apresentava alterações. Dada manutenção do padrão de diarreia solicitada consulta de Medicina Interna, objetivando-se poliartrite crónica simétrica, xerostomia e alopécia localizada. Analiticamente com evidência de ANAs em título elevado, anti-dsDNA IF e FEIA, anti C1Q e anti-ribossoma P, restante estudo imunológico negativo, sem consumo de complemento, sem hipoalbuminémia e eletroforese de proteínas normal. A doente apresenta critérios clínicos e analíticos compatíveis com LES, controlado com hidroxicloroquina e salazopirina. Após excluir outras condições, a diarreia foi assumida no contexto de enteropatia associada a LES.
Discussão: A diarreia crónica pode ser uma manifestação inicial de LES, devendo ser considerada nos casos em que há envolvimento sistémico da doença. Apesar de frequentes, os sintomas gastrointestinais quando se apresentam como sintomas iniciais raramente levam ao diagnóstico dada a sua baixa especificidade.