Carolina Teles, Carlos Dias da Silva, Teresa Vaio, Rui Santos, Armando Carvalho
INTRODUÇÃO: A causa mais comum da hipertensão portal é a cirrose hepática, mas há que ter em conta a possibilidade de hipertensão portal não-cirrótica, mais frequente nos países asiáticos, mas também descrita nos países ocidentais. Excluindo todas as causas, considera-se hipertensão portal não-cirrótica idiopática. É rara, tem manifestações histológicas hepáticas variadas e inespecíficas e pode ter múltiplas patologias associadas, incluindo doenças autoimunes, vasculites, fármacos citotóxicos, nomeadamente a azatioprina. O envolvimento hepático na vasculite associada aos ANCA é raro, sendo uma associação difícil de estabelecer.
CASO CLÍNICO: Doente do sexo feminino, 45 anos de idade, com antecedentes de vasculite sistémica pANCA MPO+, que recorreu ao Serviço de Urgência por quadro de distensão e desconforto abdominal, com cerca de 4 semanas de evolução, sem outros sinais ou sintomas associados. Analiticamente, destacou-se pancitopenia, sem elevação da enzimologia hepática. Ecografia abdominal mostrou fígado heterogéneo com contornos lobulados, ectasia da veia porta, esplenomegalia e moderado volume de derrame peritoneal livre. Foi realizada paracentese e a análise do líquido ascítico revelou ausência de células neoplásicas, exame bacteriológico negativo e gradiente de albumina sero-ascítica de 3,3 g/dL, compatível com hipertensão portal. Serologias para vírus hepatotrópicos, bem como autoimunidade hepática, foram negativas. Pesquisa de Schistosoma spp nas fezes negativa. Ecocardiograma sem alterações de relevo. Na endoscopia digestiva alta, visualizavam-se varizes esofágicas grandes. Biópsia hepática mostrou parênquima hepático com fibrose portal ligeira (F1/F2), sem outras particularidades. Com base nestes achados e após exclusão de outras causas, ponderou-se o diagnóstico de hipertensão portal não-cirrótica idiopática. Trata-se de uma doente com história de alterações ecográficas hepáticas há cerca de 1 ano e vários episódios de recidiva da vasculite com envolvimento sistémico, para os quais fez terapêutica imunossupressora, nomeadamente azatioprina.
DISCUSSÃO: Este caso ilustra a possível relação entre as vasculites associadas aos ANCA, bem como a sua terapêutica, e o desenvolvimento de hipertensão portal não-cirrótica. Assim, realça a importância da vigilância das alterações hepáticas nas vasculites, mesmo que pouco frequentes, tendo em conta o seu impacto clínico significativo. Por outro lado, dada a incompatibilidade entre os achados ecográficos e histológicos, poderá considerar-se realização de nova biópsia hepática e medição de pressões nas veias hepáticas para cálculo do gradiente de pressão venosa hepática.