Guilherme Quinaz Romana, Irina Kislaya, Mário Rui Salvador, Susana Cunha Gonçalves, Baltazar Nunes, Carlos Dias
Introdução
A multimorbilidade, definida habitualmente pela presença de duas ou mais doenças crónicas no mesmo individuo, é um problema relevante que importa considerar.
Na Europa, estima-se que a multimorbilidade represente 70 a 80% da despesa em saúde em países como a Dinamarca e seja a causa de 8 em cada 11 internamentos hospitalares no Reino Unido. Estes doentes revelam um elevado número de prescrições e de referenciações hospitalares. Em 2005/2006 em Portugal, segundo os dados de Inquérito Nacional de Saúde, 36% da população apresentava três ou mais doenças crónicas. Internacionalmente os estudos apresentam valores variáveis, com prevalências entre 20% e 40%.
Torna-se relevante compreender o padrão actual de multimorbilidade, num estudo de base populacional, com um intervalo etário alargado.
Objectivo
Descrever e caracterizar a prevalência de multimorbilidade em Portugal.
Material e Métodos
Foi realizado um estudo epidemiológico transversal analítico, tendo como unidade de observação todos os indivíduos que responderam ao Inquérito Nacional de Saúde com Exame Físico -indivíduos não institucionalizados, com idade compreendida entre os 25 e 74 anos residentes em Portugal-. O desenho da amostra pressupõe a representatividade da população portuguesa, sendo a amostra final constituída por 4911 indivíduos.
A prevalência da multimorbilidade foi estimada para o total da população e para cada um dos sexos, estratificada por grupo etário, região de saúde, educação e rendimento. Para identificar os fatores associados à multimorbilidade foi utilizado o modelo de regressão de Poisson.
Resultados
A prevalência de multimorbilidade foi de 38,3% (IC95% 35,4% a 41,3%), com maior frequência nas mulheres, nos indivíduos mais velhos, nas regiões de Lisboa e Vale do Tejo e Alentejo e em níveis educacionais mais baixos. Não foi observada associação estatisticamente significativa entre a multimorbilidade e o rendimento. No modelo de regressão multivariável continuou a verificar-se uma relação entre a multimorbilidade e a idade, com uma aRP nos escalões etários 55-64 e 65-74 de 5,67 (IC95% 2,54 a 12,65) e 5,68 (IC95% 2,47 a 13,05) nos homens e 6,71 (IC95% 4,01 a 11,21) e 7,51 (IC95% 4,52 a 12,51) nas mulheres, em comparação com o escalão etário 25-34.
Conclusões
A multimorbilidade é um problema que afecta mais de um terço da população portuguesa.
Os resultados por nós obtidos estão em consonância com a literatura ao mostrarem uma prevalência superior de multimorbilidade nas mulheres, nos indivíduos mais velhos e com habilitações literárias mais baixas.
A existência de um estudo de base populacional, com representatividade nacional, possibilita a melhor caracterização destes doentes em Portugal. Esta evidência permitirá contribuir para a actual discussão quanto à necessidade dos sistemas de saúde se adaptarem aos doentes com múltiplas doenças crónicas, com políticas que permitam tratar melhor e com maior eficiência.