Marta Soares Carreira, Iolanda Mendes, Joana Pimenta, Jorge Almeida
INTRODUÇÃO: A endocardite (EI) é uma doença infecciosa com elevada mortalidade e associada a inúmeras complicações decorrentes de embolização periférica. O risco de desenvolver esta patologia é maior em doentes portadores de dispositivos cardíacos e com história de EI prévia.
CASO CLÍNICO: Homem de 73 anos, portador de pacemaker (PM) por BAV completo e com fibrilhação auricular, hipocoagulado, recorreu ao serviço de urgência por dor, na face posterior do joelho esquerdo, sem alterações locais. Sem história de febre. Apirético e hemodinamicamente estável. A ultrassonografia com Doppler revelou aneurisma micótico na artéria poplítea esquerda. Analiticamente, elevação de marcadores inflamatórios. O ecocardiograma transtorácico mostrou várias vegetações a condicionar insuficiência aórtica severa. Foi iniciada antibioterapia empírica com ampicilina, flucloxacilina e gentamicina posteriormente ajustada para ceftriaxone, após isolamento e perfil de sensibilidade de Streptococcus gallolyticus (S. gallolyticus) em 2 hemoculturas (HC). Identificado abcesso metastático do baço em ecografia abdominal. O doente foi submetido a esplenectomia, aneurismectomia e substituição de válvula aórtica em diferentes tempos cirúrgicos. Dado o isolamento de S. gallolyticus, foi também realizada endoscopia digestiva baixa que excluiu cancro colorrectal. Durante o restante internamento, o doente manteve-se apirético, tendo completado 4 semanas de antibioterapia dirigida no pós-operatório, com HC seriadas negativas.
Cerca de 1 ano mais tarde, desenvolvimento de clínica de insuficiência cardíaca de novo. O ecocardiograma transesofágico evidenciava sinais de disfunção/destruição protésica, múltiplas vegetações de grandes dimensões, insuficiência aórtica com abcesso de toda a circunferência do anel com protusão para a aurícula esquerda. Sem intervenções dentárias recentes. Iniciada antibioterapia empírica com vancomicina e gentamicina, sendo submetido cerca de uma semana depois a substituição de prótese, remoção e implantação de PM. Sem isolamentos microbiológicos nas HC seriadas, prótese e sondas de PM. Pós-operatório complicado com isquemia dos membros inferiores (MI) tendo sido realizada amputação do MI direito com desenvolvimento de choque refractário que culminou no óbito.
DISCUSSÃO: A apresentação da EI pode ser menos típica, resultante de fenómenos de embolização. Um episódio prévio de EI é um factor de risco estabelecido para uma nova EI. Apesar da antibioterapia adequada no primeiro episódio, é possível que se tenha estabelecido um “santuário” (possivelmente o PM) que facilitou o estabelecimento de uma segunda EI. No entanto, a janela temporal (EI após um ano) e a ausência de isolamentos microbiológicos são mais a favor de re-infecção (vs recidiva). Este caso espelha a necessidade de olhar a IE não como um episódio isolado mas como um risco acrescido contínuo de nova infecção, sendo necessário sensibilizar os doentes e profissionais de saúde para a sua profilaxia.