1Serviço de Medicina Interna 1, Unidade Local de Saúde do Alto Minho; 2Serviço de Medicina Interna 2, Unidade Local de Saúde do Alto Minho
Joana Couto1 Tiago Mendes2, Luís Pontes Santos1, Liliana Alves Costa2, Raquel López1, Paula Brandão2, Diana Guerra1
A peritonite bacteriana espontânea é (PBE) definida como a infeção bacteriana do líquido ascítico (LA) e peritoneu na ausência de uma fonte intra-abdominal de infeção ou causa maligna. Pode complicar com formação coleções intra-abdominais ou de septos secundários a inflamação e fibrose peritoneal, levando a intervenção cirúrgica.
Homem de 45 anos com doença hepática crónica (DHC) de etiologia alcoólica (CHILD-PUGH C, MELD 25) sob paracenteses evacuadoras (PE) regulares (2/2 semanas) por ascite refratária. Apresentou incidentalmente aspeto turvo do LA numa PE programada, cujo estudo mostrou 7357 leucócitos, 97% neutrófilos e presença de bactérias. Foi intenado por PBE e iniciou empiricamente cefotaxima. Isolado no LA klebsiella pneumoniae (KP) multissensível (MS), mas após 7 dias de antibiótico mantinha febre e parâmetros inflamatórios elevados. Repetiu-se paracentese diagnóstica que revelou LA com características de pus, pelo que associado metronidazole. A presença de PBE complicada motivou a realização de ecografia e TC abdominal que mostraram ascite complexa multisseptada, sem abcessos ou lesão intra-abdominal que justificasse peritonite secundária. Dado gravidade de DHC foi considerado elevado risco cirúrgico, decidindo-se multidisciplinarmente não prosseguir com estratégia de laparotomia com lavagem peritoneal convencional, optou-se por uma atitude conservadora com colocação de dreno pig tail e alargamento do espectro de antibioterapia (Imipenem) por possível infeção plurimicrobiana. A análise seriada do LA revelou melhoria lenta, manteve isolamento de KP MS e identificada de novo candida albicans MS, pelo que iniciou Fluconazol. Manteve drenagem de 225-300cc/dia durante 11 dias sob lavagens repetitivas com melhoria clínica e analítica paulatina, apresentando apirexia pela primeira vez ao 7º dia após colocação do dreno. Repetiu ecografia abdominal com melhoria imagiológica. Dada a evolução favorável, redução do espetro para ciprofloxacina de acordo com antibiograma de KP MS para completar tratamento. Durante o estudo sem evidência de outro foco, manteve pesquisas repetidas de micobactérias negativas, sem evidência de endocardite com hemoculturas negativas e sem alterações no ecocardiograma.
Apresenta-se este caso pelo desafio terapêutico inerente. Este caso recorda-nos o princípio elementar do tratamento antimicrobiano, o alargamento do espetro da antibioterapia de nada vale se não se verificar controlo do foco da infeção. A pressão da medicina moderna pode levar erradamente ao escalar terapêutico e a atitudes invasivas em doentes cujo risco é maior do que o benefício - como neste caso a intervenção cirúrgica. A solução passa por atitudes conservadoras e tempo para resolução de infeções complicadas, destacando-se o papel fulcral da drenagem percutânea e do prolongamento de antibioterapia dirigida. Destaca-se a capacidade internista na gestão destes fatores e na capacidade ponderação risco vs benefício doente a doente.