Inês Cunha, Joana Andrade, César Matos, Sara Machado, Ana Pinto, Margarida Agudo, Rui Marques, Vera Romão, Ana Gomes
Introdução: Estima-se que a fibrilhação auricular (FA) esteja presente em 2,5% da população portuguesa com mais de 40 anos, sendo responsável por cerca de 1/4 dos acidentes vasculares cerebrais isquémicos (AVCi). É essencial para a sua prevenção saber quais doentes hipocoagular e como. Os anticoagulantes orais diretos (DOACs) são recomendados preferencialmente em detrimento dos antagonistas da vitamina K (AVKs), exceto em doentes com válvulas mecânicas e estenose mitral moderada a severa. Os AVKs reduzem o risco de AVCi em 2/3 e de mortalidade em 1/4 quando comparado com a não hipocoagulação, mas os DOACs reduzem a ocorrência de AVC em 19% em comparação com os AVKs, com a vantagem de não necessitarem de monitorização do INR.
Objetivo: Determinar a prevalência de FA e da sua hipocoagulação numa amostra de doentes admitidos com AVCi. Averiguar o tipo de anticoagulantes utilizados, a decisão quanto à sua manutenção à data de alta e o seu impacto na mortalidade aos 30 dias.
Materiais e métodos: Análise retrospetiva de todos os doentes internados por AVCi numa unidade de AVC, em 2017 (N=322), com recolha de dados através do SClínico e análise estatística com o SPSS.
Resultados: A idade média foi 74.1 anos [35-97 anos], 51.6% eram mulheres e 28.6% tinham FA. Dos doentes com FA, 75.0% não estavam hipocoagulados à data do AVC, 7.6% estavam sob AVKs (destes 85.7% sob varfarina e os restantes sob acenocumarol) e 17.4% sob DOACs (62.5% rivaroxabano, 25.0% dabigatrano, 12.5% apixabano e nenhum sob edoxabano). O INR médio dos doentes sob AVKs foi de 2.28 [1.53-2.69]. Era inferior a 2 em 28.57% dos casos, maior ou igual 2 e menor ou igual a 3 nos restantes 71.43%. Nos doentes sob varfarina a dose média semanal foi 33.96 mg [21.25-42.5 mg/semana]. Só um doente estava sob acenocumarol (22.00 mg/semana, com INR de 1.60). Dos doentes sob AVKs, à data de alta, 83.3% trocaram para um DOAC e 16.7% para outro AVK. Dos doentes sob DOACs, 53.3% mantiveram o DOAC em dose igual, 20.0% aumentaram a dose e 26.7% trocaram para outro DOAC.
A mortalidade aos 30 dias foi superior nos doentes que previamente ao AVCi não estavam hipocoagulados quando comparados com os hipocoagulados (14.5% vs 8.7%, p=0.475) e nos doentes que estavam previamente com AVKs por comparação aos medicados com DOACs (14.3% vs 6.25%, correspondente este último a 1 doente sob rivaroxabano; p=0.529).
Conclusão: Mais de 1/4 dos doentes tinha FA, mas destes só uma pequena percentagem estava hipocoagulada, maioritariamente com DOACs, com destaque para o rivaroxabano. A maioria dos que faziam AVKs trocaram para DOAC à data da alta. Quanto à mortalidade, os resultados estão de acordo com a literatura, com uma menor mortalidade nos doentes hipocoagulados, sobretudo com DOACs. Estudos com populações maiores, determinaram que a mortalidade seria 10% inferior nos doentes com DOACs em comparação com a varfarina, favorecendo a recomendação de dar preferência aos DOACs sempre que não haja contraindicações.