Inês Branco Carvalho, Adriana Paixão Fernandes, David Prescott, Ana Isabel Brochado, Margarida Pimentel Nunes, Isabel Montenegro Araújo, Beatriz Donato, Rita Sérvio, José Luis Ferraro, Salomão Fernandes, Carla Araújo, António Martins Baptista, José Lomelino Araújo
Introdução: O abcesso do músculo psoas ilíaco (MPI) consiste na colecção de pus no seu compartimento, sendo um diagnóstico raro, todavia a sua frequência tem vindo a aumentar, provavelmente pelo maior uso da tomografia computarizada (TC). Pode ser classificado como 1º ou secundário. O 1º resulta de disseminação hematogénica ou linfática de um foco infeccioso, geralmente desconhecido. Trauma, hematoma, imunossupressão são factores de risco. O secundário resulta de contaminação directa por contiguidade com estruturas infectadas. O tratamento consiste em antibioterapia apropriada e drenagem do abcesso. Tem uma morbimortalidade elevada, principalmente quando não tratado. Idade avançada, presença de bacteriemia e infecção por E.coli, também contribuem para maior mortalidade. A taxa de recorrência é de 15-36% e deve-se a drenagem ou antibioterapia inadequadas.
Caso clínico: mulher, 74 anos, com história de linfoma não Hodgkin, hipertensão arterial, insuficiência venosa dos membros inferiores, dislipidemia. Internamento recente, em Agosto, no contexto de lombalgia direita com irradiação ao membro inferior direito com 3 semanas de evolução, condicionando várias vindas à urgência, sendo sempre assumida ciatalgia e tratada com anti-inflamatórios intramusculares. Foi diagnosticado hematoma infetado do MPI direito com 8,8x3,7x15cm, tratado com meropenem e ainda punção percutânea guiada por TC com colheita de líquido sugestivo de pus, cujo exame bacteriológico e o exame directo de BK foram negativos. Realizou RM da coluna lombar com exclusão de foco infeccioso. O internamento foi complicado por meningite pneumocócica e cistite com isolamento de E. Coli ESBL, com vários ajustes da antibioterapia. Cerca de 1 mês depois da alta, recorreu de novo à urgência por dor nos quadrantes direitos com irradiação para o membro inferior direito, de agravamento progressivo. Realizada TC abdomino-pélvica com manutenção de colecção ao longo do MPI direito, inferiormente continuando-se por loculações para os músculos anteriores da raiz da coxa e adutores, com 142x57mm. Trombose venosa de ambas as veias femorais comuns, com extensão às femorais profundas interceptadas. Durante o internamento foi feita drenagem ecoguiada, com envio do líquido para análise, contudo sem isolamento de agente. Hemoculturas igualmente negativas. Teve alta após completar 10 dias de antibiótico com seguimento em consulta de Medicina Interna, até então sem recorrência do abcesso.
Discussão: este caso reforça que o diagnóstico diferencial da lombalgia vai muito para além da ciatalgia e que devemos considerar diagnósticos mais raros como é o caso do abcesso do MPI. Neste caso concreto, trata-se de um abcesso primário. Evidência a importância da realização correcta da drenagem e da instituição precoce de antibioterapia, para a boa evolução clínica e prevenção de recorrência. É ainda ilustrativo de uma das complicações desta entidade, que é a TVP por compressão extrínseca das veias femoral e ilíaca.