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DA ENOXAPARINA AO CHOQUE HEMORRÁGICO
Urgência / Cuidados Intermédios e Doente Crítico - Caso Clínico
Congresso ID: CC095 - Resumo ID: 1243
Hospital Beatriz Ângelo
Inês Branco Carvalho, Adriana Paixão Fernandes, David Prescott, Ana Isabel Brochado, Margarida Pimentel Nunes, Isabel Montenegro Araújo, Beatriz Donato, Rita Sérvio, José Luis Ferraro, Salomão Fernandes, Carla Araújo, António Martins Baptista, José Lomelino Araújo
Introdução: o hematoma dos rectos abdominais é uma condição rara e muitas vezes subdiagnosticada, uma vez que pode mimetizar quase todas as patologias abdominais. Um estudo demonstrou uma incidência de 1.8% em doentes com dor abdominal. Resulta da acumulação de sangue na bainha muscular, provocada pela lesão das artérias epigástricas inferior e superior ou do próprio músculo. Pode ocorrer espontaneamente, associado a trauma ou ao uso de hipocoagulação. Embora habitualmente seja uma condição autolimitada, pode ser fatal, com uma taxa de mortalidade que varia entre 4% e 25%. Hematoma do músculo recto abdominal associado à administração de enoxaparina é uma complicação rara, não estando a sua incidência ainda bem estabelecida.

Caso clínico: mulher de 89 anos, autónoma com antecedentes de hipertensão arterial, dislipidemia, fibrilação auricular (FA) paroxística (medicada com amiodarona e varfarina, que não cumpria) e prótese total da anca por fractura do colo do fémur. Internada no contexto de insuficiência cardíaca descompensada por FA com resposta ventricular rápida e AVC isquémico cerebelar esquerdo, sob terapêutica anticoagulante com enoxaparina. Ao 7º dia de internamento apresenta-se oligoanúrica, com náuseas e vómitos e dor abdominal intensa. Objectivada massa hipogástrica de novo, muito dolorosa à palpação. Realizou TC abdominal que demonstrou hematoma da espessura do músculo recto abdominal esquerdo com cerca de 4.4x 2.5cm, com nível líquido-líquido denso, que comunicava com volumosa colecção intrabadominal, também com conteúdo denso (hemático), no espaço de Retzius com cerca de 15.4 x 11 x 12cm. Foi suspensa enoxaparina e mantida vigilância. Contudo houve agravamento do seu estado clínico, com queda de 5 gramas de hemoglobina e instabilidade hemodinâmica. Foi assumido choque hemorrágico no contexto de hematoma do músculo recto abdominal secundário à terapêutica com enoxaparina. Foi transferida para a unidade de cuidados intensivos e levada ao bloco operatório para drenagem do hematoma (cerca de 1000mL) e revisão de hemóstase. Ao 11º dia de internamento retorna à enfermaria. Foi reintroduzida hipocoagulação com DOAC e a doente evoluiu favoravelmente, tendo alta clínica ao 18º dia de internamento.

Discussão: este caso clínico ilustra uma entidade clínica que muitas vezes passa despercebida e que devemos considerar no diagnóstico da dor abdominal. É mais comum nos idosos, uma vez que têm menor massa muscular e por consequência menor capacidade de tamponamento. A TC abdominal é o exame goldstandard para o diagnóstico com uma sensibilidade de 100%. Consoante a extensão do hematoma o seu tratamento pode ser conservador ou cirúrgico. Este caso é ainda relevante para reforçar a importância de uma técnica de administração de enoxaparina correctamente executada, de modo a evitar complicações.