Claudemira Pinto, Filipa Silva, Arsénio Barbosa, Inês Marques, Jorge Almeida
A Anemia Ferropénica (AF) surge quando as reservas de ferro não conseguem suportar a produção normal de eritrócitos. As causas mais comuns são ingestão inadequada na dieta, má absorção (doença celíaca, gastrite por Helicobacter pylori), por perdas gastrointestinais ou outras. Deve ser dada especial atenção as hemorragias ocultas, tipicamente as do trato gastrointestinal como gastrite, angiodisplasias ou neoplasias. Estima-se que a prevalência nacional de AF seja de 19,9% na população adulta. É mais elevada no idoso, tendo frequentemente etiologia multifatorial e impacto significativo na qualidade de vida, declínio funcional e mortalidade.
Apresenta-se o caso de uma mulher de 66 anos, seguida em consulta de Medicina Interna por AF secundária a angiectasias do cego e cólon ascendente. Repetiu EDB Maio/2017 que não revelou alterações. Como antecedentes patológicos tinha bronquiectasias, bócio multinodular, tumor folicular em 2004 tendo feito hemitiroidectomia, doença coronária e gastrite. Analiticamente em Abril/2018 teve recidiva da AF com Hb 10.9 g/dL normocítica normocrómica, sem alteração da formula leucocitária ou plaquetas; ferro sérico 63 g/dL; transf 236 mg/dL; sat transf 19%, sem outras alterações de relevo. Iniciou suplementação com ferro e foi pedida cápsula endoscópica. Esta revelou intestino delegado sem sangue ou muco, após piloro observa-se lesão arredondada, ulcerada, com cerca de 25 mm, compatível com lesão de origem epitelial (GIST), sem outras lesões. Foi orientada para consulta de Cirurgia Geral e pedido estadiamento. O TC toracoabdominopélvico que revelou ansas intestinais opacificadas sem evidência de inequívocas lesões intraparietais ou endoluminais. Foi observada pela Cirurgia Geral em Novembro/2018, tendo sido operada em Janeiro/2019. O resultado da anatomia patológica da peça cirúrgica revelou a presença de um tumor neuroendócrino bem diferenciado da transição jejuno ileal (pT2NxR0), com índice mitótico inferior a 2/10 campos, com Mib1/Ki67 inferior a 2%, com indicação para fazer estadiamento com PET. Mantém seguimento em consulta de Cirurgia Geral e Oncologia.
Assim, podemos concluir que estamos perante um caso de AF por lesão subepitelial (GIST). Salienta-se este caso por se tratar de uma causa rara de AF (com incidência reportada nos EUA de 0,67/100.000), sendo mais frequente no sexo masculino. Para além disso, no mesmo doente pode coexistir mais de que uma causa, devendo ser colocada essa hipótese se má resposta à terapêutica ou recidiva após tratamento da causa inicial. Estas neoplasias estão mais frequentemente localizadas no estômago e no intestino delgado proximal, mas podem ocorrer em qualquer porção do sistema digestivo. São identificados principalmente pela expressão da proteína KIT. Apesar da maioria ter um comportamento indolente, a sobrevida dos 5 anos dos com doença localizada e mestastizada é de 65% e 35%, respectivamente. O risco de metástases aumenta se maior que 1 cm.