Isabel Vilas-Boas, Ana Ferro, Ana Oliveira Pinho, Nuno Moreno, João Correia Pinto, Sofia Moreira-Silva, Raquel Calisto
O envolvimento neoplásico do pericárdio é frequente e está associado a pior prognóstico. É encontrado em 1 a 20% das autópsias de doentes com neoplasia e pode apresentar-se como pericardite, derrame ou mesmo tamponamento. O pembrolizumab é um anticorpo monoclonal utilizado recentemente no âmbito da imunoterapia no tratamento de neoplasias. Estão descritas reações adversas atribuídas ao uso deste fármaco.
Apresenta-se o caso de um homem de 70 anos, diagnosticado com adenocarcinoma do pulmão estadio IV em julho de 2018 e sob pembrolizumab desde agosto (1 administração). Em setembro recorreu ao Serviço de Urgência por dispneia desde há uma semana, edema periférico, diminuição da diurese, astenia e anorexia. Ao exame objetivo apresentava-se hipotenso, apirético, taquipneico, a saturar a 88% em ar ambiente, com turgescência venosa jugular de 3 cm a 45 graus e edema dos membros inferiores até ao joelho. Objetivada diminuição dos sons pulmonares no hemitórax esquerdo e hipofonese cardíaca. Do estudo complementar destaque para lesão renal aguda AKIN 2, PCR 92.8 mg/L, leucocitose ligeira, citólise hepática (ALT 207 U/L e AST 211 U/L), insuficiência respiratória hipoxémica (pO2 55mmHg) e hiperlactacidemia. Realizou radiografia torácica e posteriormente tomografia computorizada que revelaram derrame pleural de grande volume à esquerda e derrame pericárdico com espessura máxima de 3 cm. O doente apresentou rápida deterioração clínica com hipotensão sustentada, anúria e hiperlactacidemia grave. Realizou ecocardiograma transtorácico que confirmou derrame pericárdico de grande volume com compressão das câmaras cardíacas direitas e consequente tamponamento cardíaco. Foi realizada pericardiocentese com saída de 1,5L de líquido sero-hemático. Colocou-se a hipótese de o quadro clínico ser uma reação imunomediada ao pembrolizumab e foi iniciada prednisolona (60 mg/dia) tendo em conta esta suspeita. O doente apresentou melhoria clínica e analítica ao longo do internamento. A citologia do líquido pericárdico revelou células de adenocarcinoma, concluindo-se que o derrame pericárdico estava filiado na neoplasia em progressão. O doente iniciou quimioterapia (QT), tendo já cumprido dois ciclos e mantendo boa qualidade de vida.
Perante um doente com o diagnóstico de neoplasia que se apresente com derrame pericárdico, a principal hipótese de diagnóstico deverá ser a metastização pericárdica. No entanto, não se deverá negligenciar a hipótese de iatrogenia da radioterapia, QT ou imunoterapia, esta última uma realidade em crescendo. Neste caso, equacionou-se tratar-se de uma reação imunológica ao pembrolizumab, embora a presença de células neoplásicas no líquido pericárdico tenha permitido excluir essa hipótese. Apesar de o atingimento neoplásico do pericárdio estar associado a baixa sobrevida, atualmente são várias as linhas de QT possíveis para tratar as neoplasias pulmonares, devendo sempre ser individualizada a melhor estratégia de suporte e tratamento para cada doente.