Ana Viegas, Inês Genrinho, Rui Correia, Diana Santos, Inês Cunha, Joana Andrade, Vera Romão, Marlene Delgado, Adelino Carragoso, João Tavares
Introdução: A Doença de Whipple é uma infeção crónica, multissistémica e potencialmente fatal, causada pela bactéria Tropheryma whipplei. É uma patologia rara, com uma incidência de 6-10 casos por 10000000, sendo mais prevalente em homens. A sua forma clássica caracteriza-se por queixas gastrointestinais, perda ponderal e/ou artralgias, podendo associar-se a febre, anemia, envolvimento neurológico, endocardite, entre outras. O diagnóstico é habitualmente difícil e tardio, baseando-se na identificação da bactéria em biópsias duodenais pela coloração ácido periódico-Schiff e/ou na deteção molecular em múltiplos tecidos. O tratamento de base consiste em antibioterapia prolongada.
Caso clínico: Mulher, 69 anos, recorreu ao SU por quadro com uma semana de evolução de febre persistente, perda ponderal e rash maculo-papular disperso. Referia também dor abdominal crónica com agravamento, tipo cólica nos quadrantes superiores. Associadamente, descritos episódios de alteração comportamental com progressiva incapacidade para atividades de vida diária mais complexas, que realizava previamente nos últimos 4 meses. Antecedentes de dislipidemia e hipotiroidismo, medicada com sinvastatina, ezetemib e levotiroxina. Durante o internamento apresentou agravamento do estado cognitivo compatível com delirium. Estudo analítico com pancitopenia e aumento da proteína C reativa, sendo medicada empiricamente com ceftriaxone e doxiciclina por suspeita inicial de zoonose. Por persistência do quadro e resultados serológicos incompatíveis com o diagnóstico inicial foi realizado estudo adicional. Destaca-se PET-CT com pequeno derrame pleural bilateral, adenopatias abdominais e captação hipermetabólica medular (biópsia óssea e medulograma sugestivos de processo reativo); endoscopia digestiva alta com linfangiectasias duodenais com biópsias duodenais compatíveis com Doença de Whipple. Prolongou-se ceftriaxone por mais 2 semanas e substituiu-se por cotrimoxazol posteriormente, com evolução clínica favorável. Três meses após a alta, mantinha-se assintomática, com ganhos importantes a nível cognitivo e normalização dos valores de hemograma e parâmetros inflamatórios.
Discussão: Neste caso foi possível o diagnóstico de Doença de Whipple com envolvimento neurológico, o qual surge em 6-63% casos. Os sintomas neurológicos são muito variáveis, associando-se a pior prognóstico por persistência de sequelas ou evolução para demência, na ausência de tratamento atempado. O envolvimento medular com citopenias é raramente descrito, mas supõe-se que possa estar subestimado por não se associar esta alteração à doença. A Doença de Whipple é uma entidade de difícil diagnóstico, muitas vezes tardio, dada a sua baixa prevalência e sintomatologia inespecífica. O tratamento é desafiante pela lenta erradicação da bactéria, apesar da rápida melhoria clínica, e recidivas em até 30% casos. O diagnóstico precoce é crucial, de forma a prevenir a morbimortalidade a longo prazo.