Filipe Machado, Inês Neto, Mafalda Santos, Joana Sequeiro, Luís Fontão
O Lupus Eritematoso Sistémico (LES) constitui uma doença inflamatória crónica, autoimune, de causa indeterminada e com grande variabilidade de manifestações clínicas e serológicas. O envolvimento neurológico com neuropatia periférica ocorre em apenas 10-15% dos doentes sendo que a afeção de um nervo craniano isolado configura uma manifestação atípica.
O caso reportado refere-se a uma jovem de 18 anos de idade, com antecedentes médicos conhecidos de aftose desde a infância com agravamento recente, livedo reticular principalmente com exposição ao frio e Síndrome de Raynauld. Recorreu ao Serviço de Urgência por quadro de diplopia e cefaleia biparietal, com foto e fonofobia. Referia também uma evolução de 4 meses de um rash malar com fotossensibilidade, alopécia e perda ponderal não intencional em 1 mês. Ao exame objetivo comprovada a presença do rash malar, livedo reticular nos membros superiores e, no exame neurológico, a presença de diplopia na posição primária do olhar com agravamento na levoversão. Desta forma, perante a hipótese de uma mononeuropatia do VI par craniano de etiologia inflamatória provável, prosseguida averiguação etiológica com estudo analítico a evidenciar uma pancitopenia (anemia normocítica normocromica, linfopenia e trombocitopenia), consumo de complemento (C3 e C4), teste de Coombs positivo e anticorpos anti-nucleares, anti-DNA double stranded, anti-Smith e anti-fosfolipídicos (IgM e IgG anti-β2 glicoproteina; IgM anticardiolipina) positivos. Na sequência de eritroproteinúria na análise sumária da urina, avaliada a razão das proteínas/creatinina na urina com um valor de proteinúria de 1,5 mg/g e ainda efetuada caracterização ecográfica renal que se apresentou sem alterações. Para além disso, dos restantes exames de imagem solicitados destaca-se a presença de esplenomegalia na ecografia abdominal, sendo que a Tomografia Computorizada (TC) e Ressonância Magnética Cerebral não demonstraram alterações relevantes nomeadamente no trajeto do VI nervo craniano. Também a TC de tórax não revelou alterações de destaque nomeadamente derrame pleural, pericárdico ou adenomegalias. Então, foi estabelecido o diagnóstico de Lupus Eritematoso Sistémico (LES) (critérios da American College of Rheumatology) e iniciada terapêutica corticoide e com hidroxicloroquina tendo-se assistido a completa resolução dos sinais e sintomas neurológicos da admissão.
O presente caso retrata o diagnóstico de um LES a partir de uma mononeuropatia de um nervo craniano isolado. De facto, este tipo de envolvimento neurológico constitui uma forma rara de apresentação e cuja atribuição ao LES é frequentemente difícil e demorada. Este caso reveste-se de interesse não só pela sua raridade, mas para alertar para a importância da suspeição diagnóstica desta doença principalmente em mulheres jovens com diplopia, de forma a não protelar o diagnóstico, tal como no caso apresentado.