Paulo Medeiros, Ana Sá, Vanessa Palha, Teresa Pimentel, Narciso Oliveira, Carlos Capela
INTRODUÇÃO
A elevação aguda das transamínases (>1000 U/L) ocorre aquando de lesão hepatocelular extensa. Uma lesão desta magnitude é essencialmente de etiologia vírica, tóxica ou isquémica. A etiologia isquémica pode decorrer de hipotensão/hipoperfusão hepática ou de insuficiência cardíaca aguda por congestão passiva.
CASO CLÍNICO
Homem de 89 anos. Antecedentes de HTA, dislipidemia, cardiopatia isquémica (EAM 15 anos antes) e etilismo moderado. Incumprimento terapêutico no último ano.
Recorreu ao Serviço de Urgência (SU) por dispneia para pequenos esforços e palpitações com 3 dias de evolução. Dispneia de início súbito e incapacitante para tarefas diárias. Apresentou 3 episódios de vómito alimentar. Sem alteração recente dos hábitos etílicos. Negava toracalgia, tonturas, tosse, expetoração, alterações do trânsito intestinal ou disúria.
Ao exame físico, consciente, colaborante e orientado. Escleróticas ictéricas. PA 122/86 mmHg; FC 140 bpm; SpO2 91% e T 36.0ºC. Auscultação cardíaca arrítmica, sem sopros. Auscultação pulmonar com crepitações nas bases. Abdómen mole e depressível, moderadamente doloroso à palpação profunda dos quadrantes direitos. Edema pré-tibial bilateral.
Gasimetria arterial: acidose metabólica compensada e hiperlactacidemia (7.74 mmol/L). ECG: fibrilhação auricular com frequência ventricular de 140/min. Analiticamente: bilirrubina total de 3.11 mg/dL (34% conjugada), AST 1400U/L, ALT 1281 U/L, elevação marginal (não sustentada) dos marcadores de necrose miocárdica, PBNP 7990 pg/mL, INR 2.32. Lipase e amilase normais. Serologias de VHC e VHB negativas. Ecocardiograma: compromisso severo da função sistólica do ventrículo esquerdo (FEVE 20%) e dilatação do ventrículo direito (VD). Angio TC toraco-abdominal: derrame pleural bilateral de pequeno volume, “falhas de preenchimento vascular nos segmentos basais dos lobos inferiores, sugestivas de tromboembolismo pulmonar bilateral (TEP)”.
Admitido na enfermaria por TEP e Hepatite Aguda. Evolução favorável com boa resposta à terapêutica instituída, com normalização analítica. Alta com ajuste terapêutico e orientação para consulta de Cardiologia.
DISCUSSÃO
Trata-se de um caso de Hepatite Aguda de etiologia possivelmente multifatorial: por um lado, a insuficiência cardíaca direita aguda causada pelo TEP promoveu a congestão vascular hepática; por outro, o baixo débito associado à disfunção sistólica do ventrículo esquerdo poderá ter contribuído com algum grau de hipoperfusão arterial hepática. Considerando o TEP como evento inicial, é intuitivo pensar na transmissão sequencial de pressão às regiões a montante, primeiro ao ventrículo direito (que dilata e se torna insuficiente) e depois ao leito vascular hepático. O prognóstico do doente está na dependência do remodeling ventricular, bem como da resposta às terapêuticas modificadoras de prognóstico da insuficiência cardíaca, não esquecendo as alterações do estilo de vida e necessidade de cumprimento terapêutico.