Sara Martins, Ana Oliveira, Tânia Ferreira, António Marinho
A neuromiotonia é uma doença rara (prevalência <1/1.000.000), caracterizada por hiperexcitabilidade dos nervos periféricos traduzida em hiperatividade e défice de relaxamento muscular; cursando ainda com alterações autonómicas e sensitivas. Raramente associada a doenças genéticas, surge sobretudo como uma doença adquirida de origem autoimune, com cerca de 40% dos casos a mostrarem anticorpos contra canais de potássio voltagem-dependentes. Por vezes apresenta-se associada a síndromes paraneoplásicos (timomas, linfomas, carcinoma de pequenas células do pulmão, neoplasias da próstata). A eletromiografia (EMG) com deteção de múltiplos disparos espontâneos de potenciais de elevada frequência com origem numa unidade motora única é essencial para diagnóstico. O controlo sintomático pode ser conseguido com anticonvulsivantes mas frequentemente é necessária imunoterapia.
Apresentamos o caso de um homem de 29 anos, sem antecedentes ou história familiar de relevo, com um ano de evolução de mioquimias/movimentos involuntários dos membros inferiores e periorais, mialgias e fraqueza muscular de predomínio proximal. Concomitantemente com disautonomia (hipersudorese, hipotensão ortostática, disfunção eréctil e sialorreia), alterações sensitivas (disestesias em peúga), disfagia e perda ponderal de 10%. Previamente estudado e diagnosticado com quadro psiquiátrico, medicado com neurolépticos sem resposta. Ao atual exame objetivo mostrava força muscular conservada mas fasciculações e mioquimias difusas de predomínio nos membros inferiores e língua; hiperreflexia com hipertonia, rigidez e bradicinesia bilateral tendo estas duas últimas resolvido após suspensão de antipsicóticos. Sem alterações em estudo analítico (incluindo serologias víricas, ceruloplasmina, doença celíaca e estudo vitamínico) ou imunológico (anticorpos anticanais de potássio voltagem-dependentes e antirecetor de acetilcolina; anticorpos antigangliosídieo, antineuronais e anti-MAG; estudo de vasculites, lúpus, síndrome antifosfolipídico e síndrome de SjÖgren). Estudo do LCR normal. RMN do neuroeixo e dos membros inferiores sem lesões. TC CE normal; TC toraco-abdomino-pélvico (TAP) com hiperplasia tímica; PET scan sem lesões hipermetabólicas. EMG com atividade elétrica muscular involuntária em repouso, com dupletos/tripletos e descargas mioquímicas limitadas à musculatura paravertebral lombar. Iniciada corticoterapia com excelente resposta, posteriormente introduzida azatioprina que permitiu desmame e interrupção de corticóide. Mantém vigilância em consulta e realização de TC TAP anual, apresentando alguma involução tímica, sem novas lesões.
Neste caso recordamos uma patologia de difícil diagnóstico pela raridade e pela apresentação inespecífica, por vezes confundida com doença psiquiátrica ou do neurónio motor. O correto diagnóstico é relevante pela sintomatologia disruptiva, controlável com medicação; assim como pela associação a síndromes paraneoplásicos, obrigatoriamente a excluir.