Filipe Machado, Diana Dias, Joana Rodrigues, Joana Malheiro, Cristiana Cruz, Joana Sequeira
A incidência de tuberculose apresenta uma trajetória descendente em Portugal. Entre as formas de apresentação, a tuberculose abdominal compreende apenas 5% de todos os casos, sendo o envolvimento peritoneal um dos mais frequentes.
Jovem de 24 anos, com história prévia de convivência com um caso de tuberculose pulmonar 3 anos antes, sem outros antecedentes patológicos e sem medicação crónica, recorreu ao Serviço de Urgência por distensão abdominal com clínica associada de hipersudorese noturna e picos febris com semanas de evolução. Ao exame físico destacava-se apenas a presença de ascite grau 2. O estudo analítico apresentava anemia normocítica normocrómica, trombocitose, elevação da desidrogenase do lactato e da proteína C reativa. Os marcadores de citocolestase e função hepática encontravam-se normais, bem como a função renal, relação proteínas/creatinina na urina e o peptídeo natriurético B. Efetuada radiografia do tórax que mostrou uma hipotransparência no ápice do pulmão direito, melhor caracterizada posteriormente por Tomografia Computorizada (TC) torácica que confirmou a presença da lesão condensante sub-pleural nessa localização. A TC abdomino-pélvica comprovou a presença de ascite e revelava também ansas intestinais com espessamento parietal e dilatação, sem adenopatias evidentes nas cadeias linfáticas abdomino-pélvicas. Foi realizada paracentese diagnóstica com drenagem de líquido amarelo citrino turvo, com predomínio linfocítico, gradiente sero-ascítico de albumina inferior a 1,1 g/dl e doseamento de adenosina desaminase elevada duas vezes acima do limite superior. O exame bacteriológico de líquido ascítico revelou-se amicrobiano. Adicionalmente, não se verificava infeção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana, Hepatite B ou Hepatite C.
Embora os resultados iniciais da pesquisa de DNA de Mycobacterium tuberculosis e o exame direto de micobactérias tenham sido negativos, o exame cultural, quer do aspirado brônquico (efectuada broncofibroscopia posteriormente para colheita de lavado broncoalveolar), quer do líquido ascítico, confirmaram a presença de Mycobacterium tuberculosis. Ao longo do seguimento ambulatorial verificada melhoria clínica da ascite e da sintomatologia acompanhante.
O presente caso destaca uma forma rara de tuberculose num doente jovem e imunocompetente sem factores de risco conhecidos para tuberculose abdominal. Apesar da raridade, é intuito do presente caso alertar para a necessidade de manter o elevado nível de suspeição deste diagnóstico.