Mariana Certal, Rita Gamboa Cunha, Adelaide Moutinho, Sandra Tavares, Fernando Guimarães, Paula Vaz Marques
Introdução: Várias alterações do sistema endócrino-metabólico têm sido relacionadas com a infeção pelo VIH1. No entanto, existem poucos estudos que demonstrem uma associação entre VIH e hipopituitarismo permitindo avaliar se esta ligação poderá ser consequência de infeções oportunistas ou neoplasias ou das complicações metabólicas da terapêutica anti-retroviral (TAR). Caso clínico: Os autores apresentam o caso de um homem de 45 anos, utilizador de drogas endovenosas em tratamento de substituição com metadona, com infeção VIH 1 conhecida desde 2005, mas com início de TAR em 2010, com Emtricitabina/Tenofovir e Efavirenz, com contagem de células CD4+ de 71 células/mm3 e carga vírica do VIH1 1.600.000 cóp./mL, Hepatite C crónica com carga vírica 3.490.000 UI/ml, Linfoma Não Hodgkin tipo MALT diagnosticado em 2010, possível toxoplasmose cerebral tratada com Pirimetamina e Sulfadiazina e hipotiroidismo com 1 ano de diagnóstico, em tratamento com Levotiroxina.
Recorreu à consulta com queixas de ginecomastia e dor mamária bilateral, mais à direita, sem escorrência, com 4 anos de evolução associada a diminuição da líbido e disfunção eréctil. Referiu também maior rarefação pilosa, aumento de peso e polidipsia. Ao exame objetivo, encontrava-se normotenso, auscultação cardíaca e pulmonar sem alterações, tiróide não palpável, com ginecomastia bilateral. Do estudo analítico realizado, destacava-se testosterona 1.95 com FSH e LH normais, níveis de prolactina normais, IGF-1 e GH ligeiramente diminuídos, cortisol, ACTH e teste de tetracosactídeo normais. A osmolalidade plasmática foi de 367 mOsmol/kg e a osmolalidade urinária de 274 mOsml/kg. Realizou ecografia mamária, da tiróide e testicular que não mostraram alterações de relevo. A presença de testosterona baixa com FSH e LH inapropriadamente normais levantou hipótese de hipogonadismo hipogonadotrófico e diabetes insípida central. Realizou prova terapêutica com desmopressina 0.06 que foi positiva e prova de privação de água que confirmou diabetes insípida. A prova de hipoglicemia insulínica mostrou presença de reservas de glicocorticóide normais. A ressonância magnética hipofisária demonstrou a hipófise confinada a sela turca sem imagem sugestiva de adenoma. O hipersinal espontâneo habitual da neuro-hipófise não se detetava na sela turca nem em posição ectópica. Foi iniciada terapêutica com testosterona e desmopressina resultando numa melhoria clínica. Discussão: Os autores realçam a diversidade de estudos necessários para o estabelecimento do diagnóstico de hipopituitarismo e diabetes insípida central, mostrando um caso clínico de associação entre a infeção VIH e hipopituitarismo que poderá ter uma natureza multifactorial. Se, por um lado, a terapêutica anti-retroviral pode ter consequências no sistema endócrino-metabólico, as infeções oportunistas associadas ao VIH, nomeadamente a toxoplasmose cerebral, poderão igualmente ser responsáveis pelo desenvolvimento do hipopituitarismo.