Guiomar Pinheiro, Cristina Torrão, Cristina Gonçalves, Fernanda Almeida, João Araújo Correia
INTRODUÇÃO: A amiloidose de cadeias leves (AL) é 5 a 10 vezes menos frequente que o mieloma múltiplo mas representa o tipo mais comum de amiloidose sistémica, com uma incidência de 9 casos/milhão/habitante/ano. Os principais sintomas são astenia e dispneia que, pela sua baixa especificidade, atrasam frequentemente o diagnóstico. Trata-se de uma doença sistémica, com envolvimento multiorgânico, sendo o rim e o coração os mais afectados. O atingimento nervoso periférico ocorre em 20% dos casos. O tratamento assenta em quimioterapia e o prognóstico depende da extensão do envolvimento orgânico e da presença de doença cardíaca.
CASO CLÍNICO: Mulher de 60 anos, com história de hipertensão arterial, recorre à consulta de Medicina por quadro de astenia em agravamento, dispneia para médios esforços e perda ponderal de 12kg com 1 ano de evolução, que a impediam de trabalhar. Avaliada previamente em várias consultas, tendo sido levantada hipótese de síndrome depressivo. Nos últimos 2 meses, edemas dos membros inferiores, dispneia paroxística noturna, ortopneia e hipotensão ortostática. ECG em ritmo sinusal, com baixa voltagem e 2 ecocardiogramas transtorácicos (ecoTT): o primeiro (5 meses antes) com perturbação do relaxamento do ventrículo esquerdo (VE) e o último (mês anterior) com hipertrofia ventricular moderada e depressão moderada da função sistólica do VE. Do estudo, destaca-se pico monoclonal de cadeias leves lambda em imunoelectroforese sérica e urinária, elevação do Pro-BNP e proteinúria nefrótica. RMN cardíaca compatível com amiloidose cardíaca e biópsia das glândulas salivares com envolvimento por substância amilóide. Assumida Amiloidose AL com atingimento cardíaco, renal e das glândulas salivares. Alta medicada com diurético de ansa, a manter perfil tensional baixo mas autónoma, sem sinais de congestão. Orientada para consulta de Hematologia onde realizou mielograma e biopsia da medula óssea, tendo-se excluído outros diagnósticos. Entretanto, sintomas de neuropatia periférica de novo, pelo que foi medicada com pregabalina. Iniciou ciclo de Ciclofosfamida, Bortezumib e corticosteróide, no entanto, manteve agravamento progressivo da capacidade funcional. Um mês após o início do tratamento, oclusão total da aorta abdominal infrarrenal com isquemia aguda dos membros inferiores, tendo sido submetida a tromboembolectomia, não totalmente eficaz à esquerda, a condicionar amputação transtibial. EcoTT com depressão severa da função sistólica do VE e compromisso da função sistólica do VD, com massas nas cavidades auriculares, compatíveis com trombos. Manutenção de evolução desfavorável, tendo vindo a falecer nesse internamento.
DISCUSSÃO: os autores ilustram um caso de Amiloidose com atingimento multiorgânico que, apesar de se tratar de uma doença rara, tem habitualmente prognóstico reservado, principalmente quando detectada em fase tardia. É assim, fundamental estar atento a patologia na abordagem de uma astenia ou insuficiência cardíaca inaugural.