Inês Marques, Elvis Guevara, Bianca Vaz, Rita Nortadas, Ana Oliveira Gomes, Letícia Santos
Introdução: A amiodarona é um fármaco anti-arrítmico amplamente utilizado. É degradada em metabolitos com semi-vida longa com potencial acumulação em diferentes órgãos, como o pulmão e o fígado, podendo ser causa de toxicidade. Caso Clínico: Descreve-se o caso de uma mulher de 88 anos, autónoma, com história de fibrilhação auricular permanente e insuficiência cardíaca, medicada cronicamente com amiodarona. Negava hábitos tabágicos e contacto com animais. Foi internada no serviço de medicina com o diagnóstico de pneumonia da comunidade hipoxemiante. Destacava-se ainda padrão de lesão hepatocelular com colestase e com sinais de disfunção hepática (AST 342 UI/L, ALT 188 UI/L, GGT 41 UI/L, ALP 153 UI/L, Bilirrubina total 3.6mg/dL, Bilirrubina conjugada 1.97mg/dL, INR 3.16, Albumina 2.0 g/dL). Do ponto de vista da infecção respiratória, verificou-se remissão da febre e rápida diminuição dos parâmetros inflamatórios com a instituição de antibioterapia. No entanto, manteve quadro de dispneia e hipoxémia, bem como critérios de insuficiência hepática. As serologias para vírus hepatotróficos foram negativas (HAV, HBV, HCV, EBV, CMV). Realizou TC (toraco-abdomino-pélvica) que identificou “densificação difusa do parênquima pulmonar em vidro despolido” e “fígado de dimensões normais, com textura heterogénea devido à presença de múltiplas lesões focais de difícil caracterização pelas reduzidas dimensões” sugestivo de toxicidade farmacológica. Fez RM abdominal para melhor caracterização, que confirmou múltiplas lesões focais não sugestivas de secundarização hepática. Foram excluídas causas de insuficiência hepática como cardíaca, isquémica, alcoólica ou consumo de produtos naturais ou outros fármacos para além dos descritos. Perante estas evidências, admitiu-se toxicidade pulmonar e hepática à amiodarona, tendo-se suspendido de imediato este fármaco. De acordo com o preconizado na literatura, iniciou corticoterapia sistémica, tendo-se verificado melhoria progressiva e resolução de insuficiência hepática e respiratória 10 dias após suspensão da amiodarona. Discussão: Apesar de ser amplamente usada, a amiodarona não é um fármaco inócuo, podendo ter efeitos secundários que não podem ser menosprezados. São raros os casos descritos de toxicidade simultânea de pulmão e fígado. Os sintomas associados à sua toxicidade podem surgir anos após o início do fármaco, são inespecíficos e facilmente confundidos com outras patologias, especialmente durante um evento agudo como uma infecção. É importante manter estes aspectos presentes e grau de suspeição elevado sempre que a clínica não esteja justificada pelo evento agudo, pois quanto mais precocemente seja retirado o fármaco, maior a probabilidade de regressão das alterações.