Gabriela Pereira, Ana Cardoso, Ussumane Embaló, Margarida Rocha, Rosa Ferreira, Jorge Cotter
Atualmente começam a descobrir-se possíveis efeitos laterais de suplementos proteicos, nomeadamente pelos praticantes de desporto, mas pouco evidência científica se encontra sobre complicações ou efeitos laterais.
Mulher de 35 anos, gerente de caixa em Supermercado, assintomática, vigiada apenas na consulta de Cirurgia Geral por quisto de duplicação no antro gástrico, medicada com anticoncecional oral (ACO) há cerca de 10 anos (sem alteração recente) e que iniciou programa de treino físico regular, 3 vezes por semana, num ginásio, há cerca de 6 meses, associando com a mesma regularidade a ingestão de suplementos proteicos (BCAAS). Negava consumos etílicos. Negava também consumo de substâncias ilícitas e toma regular de chás ou outros suplementos.
Veio ao SU por queixas de prurido generalizado e icterícia com cerca de 4 dias de evolução. Analiticamente apresenta citólise hepática com transaminases acima de 3 vezes o normal, associado a padrão colestático, com valores de ferritina e ferro aumentados e saturação de transferrina de 78%. Coagulação sem alterações.
Ficou internada para estudo com suspensão de ACO e suplementação proteica. Inicialmente manteve as queixas iniciais, com melhoria clínica e analítica, lenta, mas progressiva. Ceruloplasmina e alfa-antitripsina negativas. Perfil de hepatite autoimune negativo.
TC abdominopélvico sem alterações.
Faz biópsia hepática compatível com colestase intra-canalicular extensa, com presença de leucócitos polimorfonucleares, eosinófilos e siderose de grau 1+ a afetar hepatócitos e células de Kupffer.
Realiza ainda colangiorressonância que exclui causa obstrutiva.
Dada progressão analítica favorável, tem alta orientada para a consulta externa.
O estudo genético de mutações do gene HFE da hemocromatose colhido ainda no internamento é negativo.
Após 4 meses do internamento e da suspensão da ingestão de suplementos, doente apresenta-se assintomática e sem alterações analíticas de relevo.
Em conclusão, apresenta-se um caso que após terem descartadas causas obstrutivas, doenças metabólicas, com autoimunidade negativa, e sem evidência de consumo de substâncias tóxicas a não ser os suplementos proteicos, pelo que muito provável terá sido essa a etiologia das alterações hepáticas numa doente assintomática até então.