Inês Grenha, Joana Fontes, Joana Serôdio, João Costelha, Elsa Araújo, Manuel Barbosa, Bárbara Sousa, Joana Silva, Lourdes Vilarinho, Paula Brandão
A ascite tem etiologias bem distintas, sendo a doença hepática crónica responsável por cerca de 80% dos casos. Outras causas frequentemente identificadas são a insuficiência cardíaca, neoplasias com disseminação peritoneal e doenças infeciosas. Em cerca de 5% dos doentes há 2 ou mais causas concomitantes para a ascite. O seu tratamento depende da patologia subjacente.
Relatam-se 2 casos clínicos: 1. Homem de 72 anos com história de gastrite positiva para H. Pylori e consumo de 93g álcool/dia desde a juventude. Recorre ao SU por dor abdominal generalizada com 1 mês de evolução, que agrava com o decúbito dorsal, associada a anorexia e náusea, com aumento do volume abdominal, sem outra sintomatologia. Ao exame objetivo com abdómen muito globoso, doloroso à palpação periumbilical, sem massas ou organomegalias palpáveis, com sinal da onda positivo. Sem edema periférico e sem adenomegalias identificadas. No estudo analítico sem alterações de relevo. Fez paracentese com saída de líquido compatível com exsudado, sem células malignas, pelo que foi internado para estudo. Pedidos marcadores tumorais, com Ca19.9 de 8355 (N<37). A RMN abdominal confirmou a presença de 2 nódulos hepáticos (13 e 33mm) e uma extensa alteração do corpo do pâncreas; com espessamento difuso do epíplon em provável contexto de carcinomatose peritoneal. A biópsia de uma das lesões do fígado confirmou tratar-se de metástase de adenocarcinoma, com imunohistoquímica compatível com origem pancreática. Ao longo do internamento manteve ascite refratária, com paracenteses regulares e ajuste frequente da analgesia por dor em decúbito de difícil controlo. Acabou por falecer ao 27º dia de internamento.
2. Homem de 51 anos, com consumo de cerca de 100g/álcool por dia, fumador de 38 UMA, com dor abdominal em cólica, associada a anorexia e náusea, com aumento progressivo do volume abdominal desde há 20 dias. No SU com abdómen distendido, indolor à palpação; drenado líquido ascítico com critérios de exsudado. Ao longo do internamento com queixas predominantemente de anorexia, com cólica abdominal esporádica. A colonoscopia virtual por TC mostrou achados sugestivos de carcinomatose peritoneal, com estômago com paredes difusamente espessadas – suspeição de linite plástica. Em EDA confirmou-se neoformação com componente exofítica a envolver a grande curvatura e parede posterior do corpo a nível proximal e médio. A histologia foi compatível com adenocarcinoma infiltrativo gástrico do tipo tubular. Teve alta com marcada debilidade do estado geral, vindo a falecer em 15 dias.
Uma abordagem dirigida e célere de um quadro de ascite pode, ainda assim, não alterar o seu desfecho desfavorável. A neoplasia pancreática é a terceira mais frequente do trato digestivo em Portugal e a sua progressão silenciosa confere-lhe uma das mais elevadas taxas de mortalidade. Quanto à neoplasia gástrica, a sua incidência é elevada e representa também uma das principais causas de morte por cancro em todo o mundo.