Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, Hospital de São Pedro de Vila Real, Serviço de Medicina
Guilherme Assis, Joana Rua, Daniela Viana, Carmen Tavares Pais, Romeu Pires
Penfigoide bolhoso é uma doença autoimune caracterizada pela formação de bolhas subepidérmicas. O mecanismo é mediado por autoanticorpos direcionados contra proteínas do complexo de adesão entre derme e epiderme - BP180 e BP230. Fatores como idade de apresentação, envolvimento mucoso ou ausência de cicatrizes são elementos importantes para o diagnóstico diferencial. A avaliação da biópsia por histopatologia ou imunofluorescência direta e as serologias são fundamentais para a distinção entre penfigoide bolhoso e outras doenças da epiderme.
Este caso retrata uma mulher de 77 anos com quadro progressivo de odinofagia e incapacidade de deglutição com 15 dias de evolução, sem melhoria após ciclo de azitromicina. Associadamente referia hiperemia conjuntival, sem febre. Após 4 dias de antibioterapia surgiram eritema cutâneo e lesões bolhosas. O quadro dermatológico com 3 dias de evolução associado a odinofagia severa motivou a vinda ao serviço de urgência. Ao exame objetivo, apresentava lesões eritematosas e bolhas tensas, pruriginosas e de conteúdo seroso, predominantemente a nível do tronco e abdómen, e lesões ulceradas a nível da nasofaringe e região genital. Analiticamente, sem alterações de relevo. No internamento, foi conduzido estudo infecioso, que excluiu VHS 1, 2 e 6, EBV, varicela zooster, coxsackie e sífilis; e estudo imunológico, igualmente negativo. Observada por dermatologia, consideradas lesões típicas de penfigoide, fez biópsia cutânea e iniciou corticoterapia tópica e sistémica (prednisolona 1,5mg/kg de peso) com melhoria clínica. A biópsia revelou bolha subepidérmica, permitindo excluir pênfigo vulgar, e infiltrado polimorforfonuclear eosinófilo na derme. A imunofluorescência direta revelou marcação intercelular para IgG e C3, corroborando o diagnóstico e permitindo exclusão de outras doenças subepidérmicas, nomeadamente, doença IgA linear e epidermólise bolhosa adquirida. Nas serologias realizadas, os anticorpos anti-BP180 e BP230 foram negativos e os anticorpos anti-desmogleínas 1 e 3 positivos. Acompanhada em consulta, a doente melhorou das lesões cutâneas, conservando lesões na orofaringe. Após início de azatioprina, melhoria de todas as lesões e redução de corticoide.
Penfigoide bolhoso é a doença bolhosa imunomediada mais comum na Europa Ocidental. Neste caso, idade de apresentação, manifestações clínicas clássicas sem outra etiologia, distribuição cutânea típica, histologia com afeção subepidérmica e marcação para IgG e C3 são dados que convergem no diagnóstico penfigoide bolhoso. A extensão mucosa exuberante e o atingimento conjuntival, apresentada por uma minoria dos doentes, e a ausência de anticorpos anti-BP180 e BP230, interrogam o diagnóstico. Com efeito, os anticorpos anti-desmogleínas 1 e 3 são característicos do pênfigo vulgar.
Desde modo, este caso permite atentar para a possibilidade de sobreposição na morfologia e/ou imunopatologia das doenças bolhosas, que constitui um obstáculo no seu diagnóstico e classificação.