Inês da Mata, Rita Gameiro, Ana Reis, Fernando Gonçalves
A icterícia é um sinal clínico comum na prática clínica, podendo ser a manifestação de múltiplas patologias.
Apresenta-se o caso de um homem de 66 anos com diagnóstico de carcinoma urotelial pT3aN1(1/8)cM0 com envolvimento ganglionar recidivado em 2ª linha de quimioterapia. Tinha ainda história de adenocarcinoma da próstata (Gleason 7 pT2cpN0cM0) submetido a prostatectomia radical, doença renal crónica e internamento recente com pielonefrite aguda sem isolamento de agente. Foi admitido por dor abdominal difusa, disúria e poliaquiúria; à observação com dor abdominal difusa, Murphy duvidoso à direita; analiticamente com elevação dos parâmetros inflamatórios e urina tipo 2 com leucocitúria e nitritos positivos. Iniciou antibioterapia com meropenem, que manteve por isolamento em urocultura e hemoculturas Klebsiella pneumoniae multiresistente . Apesar da diminuição dos parâmetros inflamatórios e apirexia mantida, manteve queixas de dor abdominal difusa e aparecimento icterícia das escleróticas e pele e colúria. Analiticamente destaca-se padrão de citocolestase [FA 755UI/L (40-130UI/L), GGT1333 UI/L (10-71UI/L), AST 154UI/L, ALT 227UI/L,bilirrubina total 5,90 mg/dL,bilirrubina direta 4,78 mg/dL], hiperamilasémia (900UI/L) e hiperlipasemia (1000UI/L). Do estudo complementar destaca-se serologias virais negativas, ecografia abdominal com ectasia das vias biliares intra-hepáticas e lamas na vesícula biliar, sem sinais de colecistite e pâncreas sem alterações. Tendo em conta a dor abdominal refrataria a múltipla terapêutica realizou ainda TC abdómino-pélvica que mostrou alterações sugestivas de pancreatite aguda e ligeira proeminência das vias biliares intra-hepáticas, sem evidente obstrução da via biliar principal. Após discussão com a Gastroenterologia realizou CPRM com os mesmos achados.
Assim, como diagnóstico diferencial assumiu-se: pancreatite aguda com obstrução persistente da via biliar por coledocolitíase vs. compressão extrínseca (envolvimento ganglionar local /carcinomatose pelo carcinoma urotelial). Colocou-se ainda a hipótese de colestase iatrogénica pela antibioterapia, mas tendo em conta a melhoria franca do quadro séptico urinário manteve-se a terapêutica. Apesar da hidratação vigorosa, verificou-se agravamento clínico com choque distribuitivo, tendo sido admitido na UCI. Realizou ainda CPRE que mostrou estenose da via biliar extra hepática e das vias biliares intra-hepáticas, aspetos compatíveis com infiltração tumoral. Apesar das medidas, o doente veio a falecer; sendo a biópsia compatível com colangiocarcinoma. Pretendemos demonstrar a importância da icterícia como sintoma cardinal com necessidade de extenso diagnóstico diferencial e sublinhar o papel da biópsia, que permitiu esclarecer o quadro clínico. Por outro lado, trata-se de um caso que demonstra a existência de tumores síncronos, a agressividade da apresentação inicial do colangiocarcinoma e o facto de nem sempre todo o quadro clínico ser explicado por apenas uma patologia.