Marli Cruz, João Gonçalves, Luís Magalhães, Alfredo Martins, Alexandra Canedo, António Carneiro
Introdução
A fístula aorto-entérica é uma complicação rara das cirurgias aorto-ilíacas, de diagnóstico difícil e com elevada mortalidade. Os abcessos dos membros inferiores, por embolização séptica, constituem uma forma rara de apresentação clínica da fístula aorto-entérica.
Caso clínico
Homem de 66 anos, ex-fumador, com etilismo ativo, HTA e bypass aorto-bifemural com colocação de prótese aórtica efetuado em 2005. Desde março de 2018 com dor lombar esquerda, leucocitose ligeira e elevação discreta persistente da PCR.
Foi internado em julho de 2018 com mal-estar geral, febre e sinais inflamatórios da coxa e joelho direitos. Apresentava leucocitose (20.840/uL) e PCR 31,5mg/dL. A RMN da coxa direita sugeria existência de abcesso na coxa e revelava derrame articular e sinovite do joelho.
Iniciou ceftriaxone e vancomicina, com drenagem do abcesso da coxa e artrotomia do joelho. Isolada Escherichia coli multissensível em pús da coxa. As hemoculturas foram estéreis.
Por ausência de resposta clínica e analítica ao tratamento instituído foi realizada angio-TC abdominopélvica que revelou maior grau de densificação da gordura envolvente ao bypass aorta-bifemoral, com edema das paredes da 2ª e 3ª porções do duodeno e pequenas bolhas de gás nesta interface, sugestivo de infeção da prótese. A endoscopia digestiva alta confirmou a presença de corpo estranho encravado na parede duodenal (D2/D3) compatível com migração entérica de prótese endovascular através de trajeto fistuloso.
Assumiu-se o diagnóstico de fístula aorto-duodenal, com infeção de prótese vascular e embolização séptica, pelo que se associou metronidazole.
Dada a indicação cirúrgica foi transferido para outra instituição hospitalar, onde foi reparada a fístula aorto-entérica e removida a prótese aórtica.
Discussão
As fístulas aorto-entéricas podem ser primárias ou secundárias quando antecedidas de cirurgia da aorta (taxa de incidência <2%). O diagnóstico de fístula aorto-entérica é difícil e obriga a elevado grau de suspeição clínica. A TC com contraste é o exame de imagem ideal para estabelecer o diagnóstico.
A manifestação clínica mais frequente é a hemorragia digestiva, mas pode manifestar-se por sépsis, estando descrita a infeção distal por êmbolos sépticos, osteomielite ou artrite séptica, com taxa de incidência entre 2 e 8%.
As complicações infeciosas de fístulas aorto-entéricas são condições clínicas com mau prognóstico e de difícil solução. O seu tratamento compreende o controlo do processo infecioso e cirurgia de reconstrução vascular com remoção da prótese.