Serviço de Medicina 2B, Hospital Santa Maria, Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, Portugal (diretor professor doutor Rui MM Victorino)
Liliana Ribeiro dos Santos, Patrícia Martins, Ana Teresa Melo, Ana Furão Rodrigues, Ana Paula Vilas
A livedo racemosa (LRa) é uma lesão dermatológica que resulta de vasoespasmo arteriolar ou de trombose arteriolar e que pode acompanhar-se de venodilatação do plexo venoso. Clinicamente é muito semelhante ao livedo reticularis, mas difere deste em termos de forma (lesões irregulares, quebradas, circulares) e de localização (mais generalizada e com atingimento do tronco e nádegas). Classicamente a LRa tem sido associada à síndrome de Sneddon e ao síndrome dos anticorpos antifosfolipídios (SAAF). A sua incidência na SAAF não é conhecida, mas alguns autores acreditam que seja a manifestação dermatológica mais frequente desta doença.
Mulher de 50 anos com hipertensão arterial, cefaleia crônica e vertigem. Iniciou, sete meses antes do internamento, fadiga e eritema reticulado progressivo e simétrico nos 4 membros (Fig.1a) e na metade inferior do tronco (Fig.1b). O eritema desaparecia em decúbito e agravava em ortostatismo e após exposição ao frio. Laboratorialmente tinha trombocitopénia (plaquetas 40000/mm3). As lesões cutâneas eram compatíveis com LRa, considerando-se a hipótese de SAAF. É de notar que a cefaleia crônica e hipertensão arterial, são mais frequentes nos doentes com SAAF e LRa. A síndrome de Sneddon também foi equacionada, mas não existia história de acidente vascular cerebral. Os anticorpos anti-fosfolipídicos foram triplamente positivos (anticoagulante lúpico, anti-cardiolipina e anti-β2 glicoproteína) em três ocasiões com intervalo de meses. Embora os critérios diagnósticos para SAAF não tenham sido preenchidos, este diagnóstico presuntivo foi assumido e iniciou anti-agregação plaquetária, prednisolona 30mg id e hidroxicloroquina 400mg id, seguindo-se melhoria clínica e laboratorial.
A LRa pode indicar um estado protrombótico e pode ser a primeira manifestação de algumas doenças, nomeadamente a SAAF. A suspeita clínica é fundamental para permitir um diagnóstico precoce e tratamento adequado em tempo útil, mitigando, assim, o dano ao órgão-alvo.