Introdução:
A sífilis terciária desenvolve-se entre 25-40% dos doentes com sífilis não tratada e os eventos clínicos podem surgir 1 a 30 anos após infeção primária. A sua prevalência reduziu, consideravelmente, nos últimos anos dado o reconhecimento precoce e o uso de antibióticos. O envolvimento do sistema nervoso central (neurossífilis), cardiovascular (aortite sífilica) e sífilis gomosa (pele e osso) podem ocorrer neste estadio com graves consequências.
Caso clínico: Homem 62 anos, antecedentes de etilismo crónico, hipertensão arterial, tabagismo e acidente vascular cerebral (AVC) no ano anterior é trazido ao SU por instalação súbita de mutismo, desvio esquerdo da comissura labial, diminuição da força muscular e hipoestesia no hemicorpo direito. À admissão, apresentava Glasgow 11, afásico, não colaborante, hipertenso (183/72mmHg), taquicárdico (FC 112 bpm), pulso rítmico, apirético e diminuição da força muscular direita (2/5). Sem alterações estetoacústicas cardiopulmonares relevantes. Ativada via verde AVC, realizou TC crânio-encefálico que não evidenciou lesões isquémica/hemorrágica agudas intracranianas. Realizada fibrinólise com recuperação progressiva dos défices (NIHSS1), mantendo apenas discreto desvio da comissura labial. Admitido no serviço de Medicina para estudo etiológico do AVC, apresentando pupilas anisocóricas, não fotoreativas (Pupila de Argyll Robertson), Sinal de Romberg positivo e ataxia com marcha de base alargada. A RMN cerebral evidenciou lesão temporo-polar esquerda e múltiplos enfartes lacunares não recentes lenticulocapsulares bilaterais, talâmico esquerdo e das coroas radiata. Evidenciam-se, ainda, focos de hipersinal periventriculares e padrão de atrofia cerebral cortical difusa. Analiticamente, realça-se serologias de IgG e IgM de Treponema pallidum positivo, RPR positivo e HIV negativo. Concomitantemente, o estudo radiográfico do tórax evidenciou alargamento mediastínico com proeminência esquerda, tendo sido complementado com angioTC tórax que revelou dilatação pseudo-aneurismática da crossa da aorta (5,2x6,7 cm) com trombose mural excêntrica densa. Portanto, o doente é internado por AVC’s de repetição de provável etiologia aorto-embólica, reunindo achados clínicos e radiológicos sugestivos de envolvimento neurológico (tabes dorsalis) e cardiovascular (aortite complicada com aneurisma) de sífilis terciária. Iniciou tratamento e foi referenciado para intervenção cirúrgica urgente.
Conclusão: Reporta-se o presente caso clínico de sífilis terciária por, não só, ilustrar uma complexidade diagnóstica notória, como também, representar uma condição clínica rara, onde ocorre envolvimento cardiovascular e neurológico, em simultâneo.