João Enes Silva, Ricardo Pinto, Diana Oliveira, Clara Silva, Marta Patacho, Jorge Almeida
Introdução:
A endocardite infecciosa (EI) é uma doença grave, mantendo alta morbimortalidade apesar dos últimos avanços no seu diagnóstico e tratamento. O perfil clínico dos pacientes com EI tem vindo a mudar, como novos fatores de risco, nomeadamente os doente com doença renal crónica (DRC) portadores de fístula arterio-venosa (FAV) ou cateter de diálise.
Caso Clínico:
Mulher de 79 anos, com antecedentes de HTA e doença renal crónica (DRC) estadio 5 (creatinina basal de 3.5mg/dL, clearance de 13,4mL/min) por litíase renal crónica e pielonefrites de repetição. Construída FAV no membro superior esquerdo 3 meses antes da admissão hospitalar.
Admitida no nosso hospitalar por hemorragia maciça pela FAV a condicionar choque hemorrágico com necessidade de intervenção cirúrgica urgente para o seu encerramento e suporte transfusional. Colhida amostra da peça cirúrgica para cultura microbiológica pelo aspeto macroscópico suspeito; colheu ainda hemoculturas e ponta de cateter venoso central (CVC) quando este foi retirado.
Inicialmente admitida em cuidados intensivos, transferida para enfermaria após estabilidade hemodinâmica. Agravamento da função renal até à creatinina máxima de 5.5mg/dL, sem critérios para início de hemodiálise urgente e diurese mantida com estímulo diurético. No 3º dia após o procedimento, apresenta elevação dos parâmetros inflamatórios (leucocitose, PCR de 200mg/dL) e febre, pelo que se iniciou antibioterapia com piperacilina-tazobactam e daptomicina (evitou-se vancomicina dada a função renal). No dia seguinte, crescimento de S. aureus meticilino-resistente na amostra de peça cirúrgica e ponta de CVC, sendo suspensa a piperacilina-tazobactam. Face à evidência de bacteriémia a S. Aureus, realizou ecografia transtorácica que mostrou vegetação de 10mm na válvula aórtica, firmando-se o diagnóstico de EI. Sem disfunção valvular, pelo que se optou por tratamento médico, extendendo-se o tempo de antibioterapia com daptomicina para 6 semanas após negativação de hemoculturas. Sem evidência de embolização séptica no restante estudo etiológico. Após 6 semanas, realizou nova ecografia transtorácica a mostrar resolução da imagem de vegetação. A função renal da doente manteve-se estável, com creatinina de 3.58mg/dL à data de alta, sem necessidade de iniciar hemodiálise neste período.
Discussão:
A EI em doentes com insuficiência renal crónica ocorre nos doentes em programa regular de hemodiálise devido à manipulação regular de acessos vasculares. Neste caso, a EI ocorreu como complicação da manipulação da FAV em contexto cirúrgico emergente por hemorragia, antes de iniciar a hemodiálise. Para a escolha de antibioterapia, a toxicidade renal teve, portanto, de que ser considerada e a identificação de S. Aureus meticilino-resistente mostrou-se um desafio adicional. Apesar de inevitável progressão para diálise nesta paciente a médio prazo, os benefícios em termos de sobrevida em atrasar o início deste evento não devem ser desconsiderados.