Diana Carvalho, Ana Rafaela Araújo, Daniela Meireles, Ana Raquel Ferreira
A sintomatologia da síndrome de Cushing (SdC) está relacionada com a exposição a níveis elevados de corticoides, estando a gravidade relacionada com a intensidade e duração do hipercortisolismo. Existe um amplo espectro de manifestações não patognomónicas, sendo algumas delas comuns na população em geral, como intolerância à glicose, obesidade e hipertensão arterial (HTA). Alterações do comportamento são frequentes nestes doentes, podendo estar presentes em mais de metade.
Os autores apresentam o caso de um doente do género masculino, de 57 anos, com antecedentes de doença bipolar, admitido no Serviço de Urgência por quadro de alteração do comportamento, apresentando alternância entre períodos de agitação e prostração. Havia reiniciado terapêutica com lítio alguns meses antes por alterações do humor. Observado por Psiquiatria sendo admitida intoxicação por lítio, em doente com hipernatrémia concomitante. Contudo manteve o mesmo quadro apesar da normalização dos níveis de litio, pelo que foi pedida tomografia computorizada cranioencefálica (CE) que levantou a suspeita de lesão hipofisária. Foi internado para estudo, sendo efetuada revisão de sintomas e sinais: referia recusa alimentar e fraqueza muscular, apesar de aumento ponderal, com diagnóstico recente de HTA e Diabetes mellitus (DM). Ao exame objetivo, salienta-se obesidade do tronco e pescoço, face em lua cheia e hemianópsia bitemporal. Equacionada hipótese de estado de hipercortisolismo, confirmado no estudo analítico (elevação significativa dos níveis de cortisol sérico e urinário e de ACTH sérico). Tinha, também, níveis reduzidos de TSH e hormonas tiroideias, sem outras alterações da base hipofisária. A ressonância magnética CE confirmou tratar-se de um macroadenoma hipofisário invasivo, com envolvimento das estruturas adjacentes. Foi submetido a remoção transesfenoidal, com normalização dos níveis de cortisol urinário e sérico em estudo pós-cirúrgico.
Neste doente as alterações do comportamento foram a manifestação cardinal, inicialmente atribuídas à doença psiquiátrica de base e iatrogenia medicamentosa. Aliado a fatores de risco cardiovascular (HTA, DM e obesidade), fez-nos suspeitar de hipercortisolismo que se confirmou. A SdC está associada a um aumento significativo do risco cardiovascular, como aconteceu neste caso. A HTA, DM e obesidade podem melhorar após o tratamento, mas frequentemente não normalizam. Tal sugere que continuam a ter um risco aumentado, mesmo após controlo da doença, beneficiando, por isso, de terapêutica dirigida e intensivas. Reforçamos a necessidade de integração de sinais e sintomas na gestão do diagnóstico diferencial de síndrome confusional.