Joana Rodrigues Morais, Teresa Medeiros, Joana Monteiro, Liliana Carneiro, Cristina Rosário
A vasculite cutânea resulta de um processo inflamatório de pequenos e médios vasos, havendo risco de envolvimento de orgãos internos. Uma ampla variedade de distúrbios podem condicionar o seu desenvolvimento, sendo as causas neoplásicas as menos comuns (<4%).
Descrevemos o caso de uma mulher de 75 anos que se apresenta no serviço de urgência com lesões eritematosas em ambas as coxas e purpúricas nas pernas, com extensas úlceras coalescentes, exsudativas, com grande perda de substância, e hiperémia periungueal indolor não exsudativa das mãos. Associadamente com perda ponderal superior a 10% em 4 meses, sem febre ou hipersudorese associadas. Foram excluídas queixas do foro respiratório, gastro-intestinal e genito-urinário, toma recente de fármacos ou consumo de produtos de ervanária. Não foram objectivadas adenomegalias ou hepato-esplenomegalia.
Do estudo realizado a salientar franca elevação de parâmetros inflamatórios (PCR > 200mg/L e VS > 100mm/1ªh), anemia ferropénica por perdas cutâneas, lesão renal aguda – AKIN 3, sem acidose metabólica nem distúrbios iónicos associados, com proteinúria sub-nefrótica, sem hematúria. A biópsia cutânea confirmou tratar-se de vasculite leucocitoclástica, pelo que iniciou Prednisolona 0,75mg/kg/dia, com melhoria paulatina das lesões cutâneas e resolução da proteinúria com normalização da função renal. No estudo de causas secundárias, as serologias e o estudo imunológico foram negativos. Em tomografia computorizada e ressonância magnética abdomino-pélvicas foram identificadas duas lesões heterogéneas anexiais, cuja biópsia confirmou o diagnóstico de neoplasia do ovário.
Por trombose venosa profunda em ambos os membros inferiores, sem resolução com hipocoagulação, e face ao baixo ECOG, foi decidido em reunião de grupo oncológico manter tratamento de suporte sintomático, dado ser considerada sem condições para cirurgia ou tratamento sistémico.
A prevalência de neoplasia em doentes com vasculite leucocitoclástica é desconhecida. A maioria dos casos reportados desta associação são referentes a neoplasias hematológicas e raramente a tumores sólidos. Numa revisão geral da literatura apenas encontrámos 1 caso descrito de neoplasia do ovário assintomática que se manifestou como vasculite leucocitoclástica. Tal como neste, consideramos no caso aqui apresentado ser um fenómeno paraneoplásico que permitiu o diagnóstico de uma neoplasia oculta.
Pretendemos, desta forma, alertar para a raridade desta associação e para a importância da persistência de um diagnóstico na presença de vasculite leucocitoclástica.