Carolina Mazeda, Daniela Meireles, Diana Carvalho, Ana Rafaela Araújo, Pedro Lopes
O olmesartan é um dos antagonistas dos recetores da angiotensina II utilizado no tratamento da hipertensão arterial. A enteropatia associada ao olmesartan foi descrita pela primeira vez em 2012 e a manifestação clínica mais característica é a diarreia crónica que pode ocorrer meses a anos após a introdução do fármaco. Histologicamente, está associada a graus variáveis de atrofia da mucosa duodenal, tendo por isso um diagnóstico diferencial amplo incluindo a doença celíaca e outras entidades mais raras. O mecanismo fisiopatológico ainda não está esclarecido, no entanto parece haver uma resposta imunomediada, pois é frequente haver uma história pregressa de autoimunidade e podem estar presentes anticorpos antinucleares circulantes.
Mulher de 77 anos, autónoma, com antecedentes pessoais de hipertensão arterial medicada com olmesartan e hidroclorotiazida (20mg+25mg) há quatro anos. Admitida por quadro de diarreia crónica e perda ponderal (19% peso corporal) com um ano de evolução. Referiu cinco a seis episódios diários de diarreia aquosa, sem sangue, muco ou pus, negou febre, dor abdominal, náuseas e vómitos. Apresentava lesão renal aguda em contexto de desidratação, com creatinina 5,92 mg/dL e ureia 166 mg/dL, acidose metabólica e alterações eletrolíticas severas como hipocalemia (2,74 mEq/L), hipomagnesemia (1,28 mg/dL), hipofosfatemia (2,5 mg/dL), hipocalcemia (7,6 mg/dL), hipoalbuminemia (2,68 g/dL) e anemia macrocítica. Contagem de leucócitos e plaquetas, nível de proteína C reativa e provas de função hepática sem alterações. Durante o internamento realizou colonoscopia e TAC toracoabdominopélvica sem alterações relevantes. Exame parasitológico, bacteriológico e virológico das fezes, pesquisa de Giardia lamblia e da toxina de Clostridium difficile negativas. Realizou biópsias duodenais cuja histologia mostrou ”atrofia vilositária com lâmina própria com infiltrado inflamatório mononucleado”; anticorpos para doença celíaca negativos, HIV negativo. Para exclusão de tumor neuroendócrino realizou PET, bem como doseamento de ácido 5-hidroxi-indolacético e gastrina que se revelaram normais. No estudo imunológico identificaram-se anticorpos antinucleares positivos (1:640, padrão granular fino) com anti-Scl 70 e anticorpos anti-fibrilharina positivos; a capilaroscopia revelou três megacapilares em segmentos dactilares distintos. Contudo, a ausência de fenómeno de Raynaud, de espessamento cutâneo ou outras manifestações precoces da esclerose sistémica tornam esta hipótese etiológica pouco provável.
Durante o internamento o olmesartan foi suspenso, verificando-se melhoria clínica e analítica. À data da alta, doente retomou medicação habitual e manteve suspensão do fármaco não havendo recorrência da sintomatologia. Mantém vigilância de potenciais manifestações de esclerose sistémica precoce. Assim, perante a exclusão de várias causas de diarreia crónica e com a evolução clínica da doente estabeleceu-se o diagnóstico de enteropatia associada ao olmesartan.