João Freitas Silva, Ana de Carmo Campos, Isabel Cruz Carvalho, Sara Sarmento, Marco Ribeiro Narciso, Teresa Fonseca
Introdução: A hidrocefalia de pressão normal (HPN), traduzida num aumento dos ventrículos e pressão de abertura normal na punção lombar sem evidência de obstrução no trajeto do líquido cefaloraquidiano num doente com clínica compatível, é um diagnóstico raro, com incidência estimada de 2 a 20 casos/milhão/ano. A tríade clássica de apresentação de demência, alterações da marcha e incontinência urinária deverá induzir um alto índice de suspeita desta causa de demência, tendo em conta um potencial de reversibilidade, que é maior nos doentes com clínica menos de 6 meses de evolução e menor severidade de sintomas.
Caso clínico: Doente de 55 anos, angolano, ex-futebolista profissional, com antecedentes de alcoolismo, hipertensão e doença vascular cerebral com status pós-AVC isquémico em 2015 (território da ACM Direita), admitido na Unidade de AVC por quadro súbito de disartria e disfagia para líquidos, admitido como no contexto de AVC agudo. NIHSS 7 à admissão. Apresentava quadro de tetraparésia espástica e disartria moderada, com descrição de anos de evolução e progressão insidiosa, encontrando-se institucionalizado e parcialmente dependente, sem suporte familiar, com necessidade de apoio na gestão das suas atividades de vida diárias, embora capaz de marcha antes da admissão. TC-CE “sem alterações sugestivas de lesões isquémicas ou hemáticas de novo. Lacunas nucleocapsulares bilaterais, marcada leucoaraiosis periventricular. Atenuação dos sulcos da alta convexidade e ectasia do sistema ventricular”. Durante o início do internamento, regista-se recuperação da disartria e disfagia. Contudo, manteve quadro de lentificação psicomotora e compromisso cognitivo, assim como dificuldade da marcha pela tetraparésia espástica. Realizou 2 punções lombares com saída de 30mL LCR (pressões de abertura de 28 e 25 cmH2O), com melhoria clínica significativa (MMSE 13-> 23 e TUG 3->1.5min). Foi proposto e aceite para colocação de Derivação Ventrículo-Peritoneal, que decorreu sem intercorrências, tendo posteriormente alta mantendo reabilitação motora em ambulatório e restabelecendo contacto com a família em angola, da qual estava alheado.
Discussão: Trata-se de um caso de HPN com anos de evolução e compromisso cognitivo, em doente com comorbilidades conhecidas associadas a demência, confundidores do diagnóstico. Apesar da evolução de longa data, a melhoria clínica transitória após PL suportou a proposta de intervenção neurocirúrgica. A história e avaliação clínica minuciosa assim como o elevado índice de suspeita com trial terapêutico em caso de dúvida pode ser determinante no prognóstico destes raros doentes.