Sara Viana, Daniela Salazar, Maria João Ferreira, Vanessa Guerreiro, Ana Rita Parente, Ana Santos, Andreia Teixeira, Ruben Raimundo, Adriano Mendes, Miguel Lessa Silva, Joana Cochicho, Armando Nodarse, Sandra Belo, Ana Oliveira, Paula Freitas, Davide Carvalho
INTRODUÇÃO: A urgência de Medicina Interna é multifacetada e requer atenção ao detalhe em todas as vertentes, desde a anamnese, avaliação clínica do doente e de toda informação disponível por quaisquer meios. A interligação entre a história pessoal e a evolução clínica está na base do diagnóstico clínico, como se pode verificar neste caso.
DESCRIÇÃO DO CASO CLÍNICO: Doente de sexo feminino, 46 anos, autónoma, trazida ao serviço de urgência pelo marido, por alteração do estado de consciência, com cerca de 12 horas de evolução. Na anamnese, de difícil colheita, ambos negaram quaisquer antecedentes pessoais, alergias ou ingestão tóxica medicamentosa. À admissão, da abordagem ABCDE, destacava-se, polipneia, dessaturação (SpO2 87%), hipotensão (TA 77/33mmHg), FC 103bpm, ausência de alterações auscultatórias, glicemia 100mg/dL, sonolência, discurso confuso, abrindo os olhos a chamada (ECG 13), febril (TT 40,2ºC), abdómen ligeiramente doloroso de forma difusa, além de edema da face (incluindo periorbitário) e edemas periféricos dos membros. Após medidas de suporte, apresentou apenas ligeira melhoria do estado de consciência, persistindo sonolência e hipotensão (TA 78/57mmHg), reavaliando-se presença de sinal de Murphy renal bilateralmente. Presumiu-se o diagnóstico de sépsis grave, tendo os resultados analíticos e imagiológicos corroborado o foco de pielonefrite aguda não obstrutiva, associado a lesão renal aguda, realçando-se doseamento de Na 135mmol/L (borderline). Após consulta detalhada do processo informático, identificou-se a crucial informação de antecedente de síndrome de Sheehan, e após insistência, a doente refere suspensão da toma de corticoterapia e levotiroxina desde há 2 anos. Desta forma, a persistência de instabilidade hemodinâmica, aliada ao fácies característico e posterior confirmação analítica do estudo hormonal, era claramente enquadrada num contexto de coma mixedematoso e insuficiência suprarrenal secundária descompensada, consequentes de incumprimento terapêutico e precipitada por quadro infecioso agudo. Instituiu-se de imediato suplementação com hidrocortisona e levotiroxina endovenosos, além da antibioterapia e restantes medidas de suporte, sob monitorização em cuidados intensivos, e em 2 horas a recuperação clínica foi significativa. Após titulação de terapêutica em internamento a doente teve alta com melhoria franca (analítica, clínica e fenotípica, incluindo do fácies).
DISCUSSÃO: O coma mixedematoso, uma emergência endócrina, é uma entidade que carece de abordagem imediata dada a elevada taxa de mortalidade caso permaneça sem tratamento, pelo que atualmente raramente é encontrada, dado o diagnóstico e tratamento precoce. A integração de um quadro agudo neste contexto foi um fator confundidor e a consulta do sistema informático imprescindível para o esclarecimento e abordagem precoce do quadro, uma vez que a doente claramente desvalorizou a doença e tratamento, que uma vez rapidamente instituído, reverteu o quadro.