Joana Carvalho, Filipa Leitão, Cleopatra Goric, Manuel Carvalho, Maria Eugénia André
Introdução: A Leptospirose é uma doença infecciosa subdiagnosticada e subnotificada causada por uma espiroqueta patogénica do género Leptospira, com envolvimento multiorgânico. É considerada a zoonose mais comum em todo o mundo e apresenta um amplo espectro de manifestações clinicas, variando desde infecção limitada até doença fulminante e fatal denominada Doença De Weil.
Homem de 65 anos, trabalhador na construção civil e em meio rural, com antecedentes de Hipertensão Arterial, que recorreu ao Serviço De Urgência (SU), em Janeiro, apresentando quadro de astenia, mialgias generalizadas, icterícia e incontinência urinária, bem como náuseas, com alguns dias de evolução. Referia também algum desconforto abdominal, gengivorragias e expectoração hemoptóica. Recorrera ao SU nos dias prévios, por episódio de síncope. Teve alta, assumindo-se causa iatrogénica por alteração recente de medicação anti-hipertensora. Ao exame objectivo no SU doente apresentava icterícia da pele e escleróticas, encontrava-se eupneico, com boas saturações periféricas em ar ambiente, apirético e hemodinamicamente estável. Os membros inferiores encontravam-se edemaciados, com Godet bilateralmente. Dos exames complementares realizados destacava-se trombocitopenia de novo (19 x109/L), Tempo protrombina aumentado (60%), lesão renal aguda, hipocaliémia grave de 2,9, elevação das transaminases e bilirrubina total à custa da directa.
Aumento dos parâmetros inflamatórios, com PCR de 180. Foi observado pelos Colegas de Gastroenterologia que realizaram ecografia abdominal e que concluíram que os achados ecográficos não sugeriam obstrução da via biliar principal, tratando-se muito provavelmente de icterícia em contexto de disfunção hepatocelular por provável quadro infeccioso de etiologia a esclarecer. A vesícula apresentava ainda aspectos de colecistite alitiásica também enquadrada neste contexto. Dado ao contexto epidemiológico levantada a suspeita de zoonose, tendo sido colhidos produtos biológicos para culturas e serologias, nomeadamente Ricketsioses e Leptospira e foi iniciado empiricamente doxiciclina. Doente teve um agravamento do estado clinico, com instabilidade hemodinâmica e foi transferido para a Unidade de Cuidados Intensivos (UCI) por Doença de Weil, com disfunção renal, hepática, com coagulopatia e trombocitopenia graves.
Conclusão: Em Portugal, a Leptospirose tem tido uma importância crescente nas ultimas décadas, com ocorrência de casos fatais. Um diagnóstico atempado e um tratamento precoce são cruciais para a ausência de uma evolução clinica desfavorável. Apesar de este caso clínico ter ocorrido no Inverno, a elevada suspeição permitiu iniciar tratamento e fazer o diagnóstico assertivo, contudo a doença progrediu de forma fulminante com necessidade de internamento na UCI. OS autores pretendem com este caso alertar ainda que, devido às alterações climáticas, o aparecimento de determinadas doenças tenderá a surgir fora de época.