Laura Costa, Inês Gonçalves, Filipa Pinho, Luísa Pinto, Francisco Gonçalves, Carlos Capela
Homem de 27 anos, natural de Angola, onde viveu até 2017. Apresentou-se no Serviço de Urgência com cefaleias intensas, febre, sudorese e mialgias com 48 horas de evolução. Tinha antecedentes de malária desde a infância com 1 a 2 episódios anuais de febre, cefaleias e mialgias, que se resolviam após 4-6 dias de terapêutica antimalárica. Tinha sido medicado com vários esquemas ao longo da vida: na infância, cloroquina e quinino; na adolescência/idade adulta, regimes à base de artemisina, lumefantrina e sulfadoxina/pirimetamina. O diagnóstico em Angola baseou-se no teste da gota espessa, nunca se conheceu a forma do parasita ou o perfil de resistências aos antimaláricos. Neste internamento confirmou-se malária por Plasmodium ovale com parasitemia de 1,2% e sinais de gravidade clínica: lesão renal aguda, trombocitopenia, coagulopatia. Assumindo-se a presença de formas hepáticas, iniciou-se um esquema de quinina e doxiciclina endovenosa, associado à primaquina oral após exclusão de deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase. Posteriormente alterou-se para atovaquona/proguanilo, mantendo primaquina. O doente evoluiu favoravelmente com eliminação persistente de parasitemia e resolução de todas as disfunções. Desenvolveu, no entanto, efeitos adversos aos antimaláricos: anemia, leucopenia, citólise hepática e lesões cutâneas peribucais. Teve alta após 6 dias de internamento, orientado para a consulta externa. Aí foi reavaliado 3 meses depois, sem alterações clínicas ou analíticas.
Este doente teve várias reativações por P. ovale devido ao tratamento inadequado das formas hepáticas (nunca foi medicado com primaquina). Adicionalmente, tinha sido exposto a vários antimaláricos desde a infância, com risco de seleção de parasitas resistentes. Foi por este motivo que se decidiu tratar com atovaquona/proguanilo, um regime terapêutico ao qual nunca fora exposto, frequentemente utilizado em Portugal para profilaxia e tratamento.
A malária é uma infeção antiga que continua a ser hoje a doença parasitária humana mais importante. A sua contenção encontra-se ameaçada pela resistência aos antimaláricos, que continua a aumentar. Embora o P. falciparum seja o principal responsável pela morbimortalidade atribuída à malária, as recorrências são da responsabilidade das formas vivax e ovale. Estes apresentam formas latentes a nível hepático (hipnozoítos) que podem sofrer reativação meses ou anos após a infeção aguda. A malária grave pode apresentar-se como edema pulmonar, hemólise, anemia, coagulopatia, hipoglicemia, acidose metabólica, disfunção renal/hepática e défices neurológicos e nestes casos a terapêutica inicial deve ser endovenosa. A malária por P. ovale e vivax implica uma abordagem terapêutica particular, pois além de eliminar a forma hematogénea do parasita, é necessário eliminar a forma hepática. A primaquina tem eficácia superior a 90% na prevenção de recaída. As reações adversas aos anti-maláricos são frequentes e devem ser valorizadas e monitorizadas.