Sara Sarmento, Ana de Carmo Campos, Isabel Cruz Carvalho, João Freitas Silva, Marco Narciso, Teresa Fonseca
Introdução: A Endocardite Infeciosa (EI) constitui um desafio diagnóstico pela sua heterogeneidade clínica e etiopatogénica, sendo a identificação do agente etiológico essencial à seleção do tratamento adequado. Em idosos ou imunocomprometidos a apresentação da EI pode ser atípica e sem febre. Por outro lado, em cerca de 30% das EI cursa com hemoculturas (HC) negativas, constituindo um desafio diagnóstico e terapêutico, complicado pela morosidade das técnicas laboratoriais de identificação de patogéneos incomuns. A antibioterapia é comumente empírica, num racional epidemiológico suportado na história clínica.
Caso Clínico: Mulher de 79 anos, residente em Lisboa, com implantação de prótese biológica aórtica por estenose grave há 5 anos. Apresentava quadro com 3 meses de dispneia de esforço progressiva, ortopneia, edemas bimaleolares vespertinos e perda ponderal de 6Kg, sem febre. Análises seriadas não revelaram elevação dos parâmetros inflamatórios apresentando unicamente anemia (Hb 9g/dL). O ecocardiograma transtorácico (ETT) e transesofágico revelaram leak periprotésico moderado e vegetação na cúspide ventricular aórtica (7x4 mm). Foi internada com o diagnóstico de EI sub-aguda e iniciou AB empírica com Ampicilina, Flucloxacilina e Gentamicina. Manteve apirexia, sem isolamento de agente em hemoculturas seriadas. Assumindo-se EI com hemoculturas negativas (EIHCN), colheram-se serologias para Brucella, Coxiella burnetii, Bartonella, Mycoplasma, Legionella e pesquisa de fungos. O ETT de reavaliação ao 10º dia revelou disfunção da prótese e 2ª vegetação na válvula mitral. Dada a progressão da EI com envolvimento bivalvular, com serologias em curso, e tendo-se apurado contexto epidemiológico rural com viagens esporádicas a aldeia da Beira Baixa, escalou-se AB com Doxiciclina, Hidroxicloroquina e Vancomicina. Considerou-se multidisciplinarmente que pela fragilidade não existiam condições para cirurgia e a doente faleceu ao 20º dia. A serologia para Coxiella burnetii revelou um Ac IgG fase 1 com título ≥ 1:1024, confirmando-se diagnóstico de EI subaguda/crónica por este agente.
Discussão/Conclusão: Descrevemos uma apresentação clínica muito atípica de EI que evidencia o desafio diagnóstico e terapêutico dos casos de EIHCN. Uma idosa citadina com contacto esporádico com ambiente rural, apresentou quadro de EI subaguda de prótese biológica a Coxiela burnetii, com início indolente, sem febre e sem elevação de parâmetros inflamatórios e progressão final rápida com atingimento bivalvular apesar da terapêutica.