Luís Vieira Lemos, José Costa, Gonçalo Rocha, Jorge Almeida
As doenças do metabolismo são raras e exigem uma delicada investigação diagnóstica. Neste trabalho, os autores descrevem um caso raro de doença hepática cuja apresentação inicial se restringiu a alterações analíticas inespecíficas.
Doente do sexo masculino, 42 anos de idade, com antecedente de consumo de bebidas alcoólicas com padrão “binge drinking” (60-100g) duas vezes por semana, sem qualquer medicação habitual, referenciado à consulta externa de Medicina Interna por alterações inespecíficas do perfil hepático, com elevação ligeira da GGT (102) e da TGP (73), ferritina 967, transferrina 243 e ecografia abdominal sem alterações. Ao exame objetivo apresentava hepatomegalia ligeira, indolor à palpação e um índice de massa corporal de 27Kg/m2. Do estudo analítico realizado, as serologias víricas para HIV 1 e 2, HCV e HBV foram negativas. O doseamento de 1-antitripsina foi normal e o estudo imunológico efetuado rejeitou a hipótese de hepatite auto-imune. Pelos níveis elevados de ferritina e saturação de transferrina 61%, foi pedida ceruloplasmina (4 mg/dL) e o doseamento do cobre urinário na urina de 24h (79ug/24h). Foi efetuada biópsia hepática que mostrou fragmento com fibrose portal, esteatose macrovesicular moderada, deposição de ferro e acumulação muito escassa e focal de cobre, cuja conclusão referia hepatopatia crónica com septação fibrosa do parênquima e quadro morfológico de tipo ASH/NASH, com siderose hepatocitária. De um fragmento da biópsia hepática foi efetuado estudo de captação molecular do cobre no valor de 206 mcg/g de fígado, pelo que foi pedido estudo genético.
O doente foi posteriormente orientado para a consulta de Gastroenterologia e Genética Médica, tendo sido identificada heterozigotia composta para as mutações do gene ATP7B. De acordo, com o score de Leipzig, o doente pontuava 4, pelo que se confirmou assim o diagnóstico de Doença de Wilson. Atualmente mantém seguimento na consulta da Gastroenterologia, medicado com trientina 500mg, com parâmetros hepáticos estabilizados. Este caso demonstra o percurso diagnóstico de uma entidade rara, realizado em regime de ambulatório, cuja apresentação clínica pode configurar um quadro de lesão hepática praticamente irreversível quando diagnosticada tardiamente. De realçar que no presente caso a análise anatomo-patológica não foi totalmente concordante com a suspeição diagnóstica, apenas confirmada após a realização dos testes de captação molecular do cobre e dos testes genéticos.