Manuel Monteiro, Luís Reis, Marta Torre, Luís Dias
Introdução: A tuberculose exclusiva do sistema nervoso central (TBSNC) é uma entidade rara, responsável por somente 1.9% dos casos de tuberculose extrapulmonar em Portugal (dados de 2013 da Direção-Geral da Saúde), estando associada a elevada mortalidade.
Caso clínico: Mulher de 84 anos com antecedentes pessoais de leucemia linfocítica crónica, hipertensão arterial e fibrilhação auricular, anticoagulada com varfarina. Foi internada por quadro com 2 meses de evolução caracterizado por confusão, perda progressiva de autonomia, tremor dos membros superiores, e cefaleia parietal direita, sem rigidez da nuca, que relacionava com traumatismo crânio-encefálico 2 semanas antes. O estudo analítico sumário de demências não apresentou alterações, e a TC-CE apenas identificou escassas calcificações infracentimétricas inespecíficas, pelo que se prosseguiu a investigação com RM-CE, que evidenciou múltiplas lesões isquémicas recentes, não síncronas. Tendo em conta monitorizações de INR em contexto de consulta com valores sempre terapêuticos e restante estudo vascular sem alterações, fez-se punção lombar que surpreendentemente revelou hipoglicorráquia de 10mg/dL, assim como proteinorráquia e LDH aumentados (257.9mg/dL e 90U/L, respetivamente). A citometria de fluxo do líquor foi inconclusiva para a presença de monoclonalidade dos linfóticos, sendo o exame direto para Mycobacterium tuberculosis e TAAN negativos; a PCR para Epstein Barr foi positiva em 3 determinações sequenciais, pelo que se optou por iniciar terapêutica com aciclovir. Porém, por manter agravamento neurológico decidiu-se também pelo início de tuberculostáticos e corticoterapia, registando-se ainda inicialmente progressão para um estado de coma. Ao 14º dia de antibacilares houve, contudo, uma repentina e franca melhoria do quadro neurológico, com recuperação do estado de consciência prévio ao internamento. O diagnóstico de TBSNC foi confirmado somente ao 47º dia de terapêutica tuberculostática, por cultura do líquor. Teve alta lúcida e orientada, mantendo tratamento até completar 12 meses.
Discussão: A TBSNC pode apresentar alterações clínicas e imagiológicas subtis, mimetizando facilmente outras entidades, pelo que é necessário elevado índice de suspeição para o seu diagnóstico. Neste caso o agravamento clínico inicial, apesar do tratamento dirigido, e o isolamento persistente do vírus Epstein Barr no líquor representaram fatores de confundimento, causando dúvidas relativamente ao diagnóstico. Por outro lado, a inexistência na prática clínica de um teste diagnóstico sensível e célere dificultou a marcha diagnóstica, pelo que a persistência no tratamento com os tuberculostáticos foi fundamental para o desfecho favorável.