A tuberculose continua a ser nos dias de hoje uma preocupação a nível mundial, quer pela elevada contagiosidade, quer pela morbimortalidade associada. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, e a par com a infecção por VIH, a tuberculose corresponde a uma das principais causas de mortalidade global, sobretudo na população pediátrica, inaceitável se se considerar o elevado potencial de cura quando diagnosticada e tratada atempadamente.
Homem de 69 anos, autónomo e profissionalmente activo, com sequelas de poliomielite no membro inferior esquerdo, sem outros antecedentes patológicos de relevo. Internado no serviço de Medicina Interna em Abril/2018 por degradação insidiosa do estado geral, com quadro clínico com duas semanas de evolução de astenia, fasciculações do membro superior direito e dificuldade na marcha por diminuição da força do membro inferior direito. À data da admissão encontrava-se acamado, com períodos de desorientação e comunicação difícil. Sem história de febre, cefaleias, fotofobia, rigidez da nuca, sintomas constitucionais ou outros. Sem contexto epidemiológico, nomeadamente viagens recentes, contacto com animais ou consumo de alimentos suspeitos. Realizou tomografia crânio-encefálica e electroencefalograma que não mostraram alterações. Na punção lombar verificou-se saída de líquido xantocrómico, à avaliação citoquímica com proteinorráquia, 137 células com predomínio de polimorfonucleares, e elevação da adenosina deaminase. Assumindo-se o diagnóstico de meningite aguda, iniciou terapêutica empírica com ceftriaxone, ampicilina e terapêutica anti-bacilar quádrupla, considerando-se a etiologia viral pouco provável pela clínica arrastada. Foi solicitada ainda angio-ressonância cerebral, que revelou hipersinal meníngeo em T2 FLAIR em localização peribulbar, protuberancial e mesencefálica, e sinais de hidrocefalia com dilatação dos ventrículos laterais e III ventrículo, achados sugestivos de tuberculose meníngea, confirmada posteriormente por PCR do líquido céfalo-raquidiano positiva para Mycobacterium tuberculosis. Manteve terapêutica quádrupla durante 4 meses, tendo depois transitado para esquema de manutenção com isoniazida e rifampicina. Continua com acompanhamento no Centro de Diagnóstico Pneumológico e de fisioterapia, tendo recuperado cognitivamente e estando fisicamente melhorado, com capacidade de marcha com apoio.
A tuberculose caracteriza-se por uma inflamação granulomatosa necrotizante, tipicamente do pulmão, podendo no entanto afectar praticamente qualquer outro tecido, incluindo as meninges. Embora pouco frequente, a tuberculose meníngea é a manifestação mais devastadora da infecção por M. tuberculosis, representando uma emergência médica, com taxas de mortalidade ou de sequelas neurológicas major que alcançam os 50%. E embora Portugal seja uma área de baixa endemicidade, é necessário maior sensibilização para a doença para o diagnóstico precoce e controlo da propagação.