Diogo Canhoto, Joana Duarte, Sara Leitão, Rui Santos, Armando Carvalho
Introdução: O padrão de disseminação do adenocarcinoma da mama tem sido alvo de investigação extensa. O fígado raramente é sede das primeiras lesões secundárias e a prevalência destas é tanto menor quanto menor a expressão axilar da neoplasia. Quando afetado, o prognóstico é particularmente reservado.
Caso clínico: Mulher de 54 anos, admitida na urgência por dorsolombalgia neuropática incapacitante, refratária à analgesia. Tinha um nódulo da mama esquerda em vigilância há 3 anos, BI-RADS 3. Ao exame, retração do mamilo esquerdo, referida como sequela de mastite, nódulo duro e irregular <2cm no quadrante inferior externo da mesma mama, pequena adenopatia axilar homolateral, volumosa hepatomegalia dolorosa e diminuição da força e sensibilidade do membro superior esquerdo. Analiticamente, elevação da fosfatase alcalina e da calcémia (11.3mg/dl). Imagiologicamente, disseminação generalizada de neoplasia, com metastização maciça visceral (hepática, suprarrenal), ganglionar abdominal e óssea (axial e apendicular) de natureza lítica. A necessidade de um diagnóstico etiológico rápido e assertivo tornou-se imperiosa pela rápida elevação da calcémia (Ca2+corrigido 18.3mg/dl), com necessidade de hemodiálise. Para alívio sintomático fez ainda repouso, analgesia e radioterapia dirigida a D4 e D11.
Concorriam para tumor primário o nódulo mamário já conhecido e volumosa massa hepática identificada na ecografia. O primeiro apresentava expressão local fruste, com adenopatia axilar única ipsilateral e discretas adenopatias supraclaviculares de pequenas dimensões. Não se encontrou envolvimento ganglionar contralateral, mediastínico ou hilar pulmonar. Por outro lado, a massa hepática associava-se a extenso compromisso ganglionar abdominal e o estudo por PET-CT distinguia a lesão mamária, discretamente captante, desta massa de elevado grau metabólico em concordância com as restantes lesões identificadas. Os biomarcadores tiveram um contributo modesto (α-fetoproteína normal, CEA 4xLSN, CA15.3 7xLSN, e marcadores neuroendócrinos fortemente positivos: CYFRA21.1 >100xLSN, NSE 30xLSN, cromogranina A 7xLSN). O exame histológico das 2 lesões fez o diagnóstico de carcinoma invasor da mama, de nenhum tipo especial e elevado grau histológico, com marcação para ER (100%, +++), PR (30%, ++), Ki67 (20%) e CERb2 (10%, membranar heterogénea). Apesar do prognóstico reservado, a doente encontra-se sob terapêutica paliativa 5 meses após o diagnóstico.
Discussão: O padrão de disseminação desta neoplasia foi atípico para o carcinoma da mama, que evidenciou um envolvimento locoregional surpreendentemente discreto para uma carga lesional à distância tão extensa. A suspeita de uma neoplasia síncrona foi reforçada por um comportamento metabólico díspar entre o tumor primário e as suas metástases. Os biomarcadores tumorais neuroendócrinos são uma área promissora e ainda em investigação na neoplasia da mama, estando o CYFRA21.1 em clara relação com lesões mais avançadas e de pior prognóstico.