Sara Almeida Ramalho, Sara Franco, André Esteves, Júlia Silva, João Namora
Introdução:
As crises convulsivas são eventos relativamente frequentes. No primeiro episódio devem ser investigadas, uma vez que podem resultar de variadas etiologias com prognóstico e probabilidade de recorrência diferentes. O seguinte caso clínico descreve uma causa pouco comum de crise convulsiva e ilustra a importância da investigação da mesma.
Caso Clínico:
Mulher, 79 anos, autónoma. Natural de Cabo Verde, residente em Portugal há 12 anos. Recorre ao Serviço de Urgência (SU) por quadro de prostração, sem outros sintomas associados. Negava perda de consciência, febre, movimentos involuntários, vómitos, náuseas, incontinência de esfíncteres, dispneia ou toracalgia. Referia também episódios autolimitados de cefaleia nos 6 meses prévios. À admissão no SU apresentou crise convulsiva tónico-clónica generalizada.
Sem antecedentes pessoais conhecidos. História epidemiológica irrelevante excepto referir consumo frequente de “comida mal passada” (sic) por inadaptação à prótese dentária. Terá estado em Cabo Verde pela última vez há 2 anos.
Na observação inicial após a crise estava apirética, hipertensa e taquicardica, com saturação periférica de oxigénio 94% em ar ambiente. Prostrada, não verbalizava, não cumpria ordens, sem abertura ocular espontânea; pupilas simétricas e reactivas. Apresentava hipotonia generalizada, sem assimetrias da força muscular; reflexos osteotendinosos sem alterações e cutâneo-plantar indiferente bilateralmente. Verificou-se recuperação do estado de consciência, apresentando posteriormente exame objectivo geral e neurológico sem alterações.
Sendo a primeira crise, realizou no SU avaliação analítica e gasimetria arterial, sem alterações metabólicas ou do ionograma; electrocardiograma sem alterações significativas e tomografia computorizada crânio-encefálica (CE) que revelou área hiperdensa em localização parietal direita com área adjacente com densidade similar ao líquido cefalo-raquidiano. A doente ficou internada para investigação e iniciou terapêutica anti-convulsivante. Durante o internamento realizou ressonância magnética CE que revelou lesão única intra-axial parietal posterior direita, cujas características semiológicas sugeriam etiologia infecciosa, mais provavelmente parasitária, eventualmente neurocisticercose/hidatidose. Neste contexto pesquisaram-se serologias para toxoplasmose, hidatidose e strongyloides stercoralis que se revelaram negativas. A serologia para Taenia solium revelou-se positiva e a doente iniciou corticoterapia e terapêutica antiparasitária.
Discussão:
A cisticercose (CC) é causada pelo parasita Taenia solium e pode apresentar-se como neurocistocercose. A forma de apresentação mais frequente é a crise convulsiva. Deve considerar-se estar hipótese diagnóstica em doentes com convulsão, imagiologia e epidemiologia sugestivas. O caso descrito exemplifica a relevância da investigação e o curso da doença, com especial enfoque nas precauções a ter antes do início da terapêutica antiparasitária.