Inês Ferreira, Ana Monteiro, Cláudio Nunes, Filipa Ceia, Gonçalo Santos, Maria Duarte, Cláudia Carvalho, Natália Ribeiro, António Sarmento
INTRODUÇÃO
A doença neurológica citomegálica (mielite, encefalite, polirradiculopatia ou neuropatia periférica) é uma complicação incomum do HIV, que ocorre nos doentes com imunosupressão grave sem terapêutica anti-retrovírica.
CASO CLÍNICO
Trata-se do caso de um homem de 54 anos. Antecedentes de candidose esofágica um mês antes da vinda ao serviço de urgência (SU), tendo sido medicado com itraconazol, com melhoria sintomática. Pedido rastreio VIH pelo médico assistente, que o doente não chegou a realizar.
Recorreu ao SU por diminuição progressiva da força muscular nos membros inferiores desde há três meses, agora condicionando marcha autónoma, e na última semana também com diminuição da força no membro superior direito. Referia ainda parestesias nos membros inferiores. Negava outros défices neurológicos, febre ou sintomas constitucionais. Ao exame neurológico, apresentava tetraparésia – força muscular membro superior (MS) esquerdo G4/5; MS direito: G2/5 proximal e G3/5 distal; membro inferior (MI) direito G2/5 proximal, G3-/5 distal; MI esquerdo G3/5 proximal e G4-/5 distal. Atrofia dos músculos dos antebraços. Reflexos osteotendinosos abolidos. Sem alteração da sensibilidade tátil. Hipopalestesia até ao joelho bilateralmente. Necessidade de algaliação por retenção urinária.
Analiticamente, sem elevação dos parâmetros inflamatórios; linfopenia 660/uL. Serologia VIH positiva. TC cerebral sem alterações. Realizou punção lombar, que revelou 10 células, glicose no LCR 40% da sérica; hiperproteinorráquia 1.44 g/L. Enviado LCR para tinta da china, pesquisa de antigénio criptocócico, culturais (micológico, bacteriológico e micobacteriológico), pesquisa de PCR de toxoplasma, CMV, EBV, JC e Mycobacterium Tuberculosis.
Portanto, neuropatia periférica em doente com diagnóstico inaugural de VIH. Internado para estudo. Colocadas como principais hipóteses de diagnóstico a polineuropatia desmielinizante inflamatória crónica e polirradiculopatia por CMV.
Realizou eletromiografia que revelou polineuropatia motora axonal. Foi avaliado por Oftalmologia – alterações sugestivas de retinite por CMV no olho direito. PCR CMV no LCR 8.4 x10(4) copias/mL e no sangue 1.8x10(3) copias/mL. Restante estudo negativo. Iniciou terapêutica com ganciclovir endovenoso 5mg/Kg. Transição para valganciclovir oral 900mg/dia ao 32º dia de tratamento por melhoria gradual dos défices neurológicos. À data de transferência para Unidade de Convalescença, capaz de caminhar com andarilho e subir escadas com apoio.
Do ponto de vista da infeção pelo VIH, nadir CD4+ 6/mm3, HLA B5701 positivo, carga vírica > 1 milhão de cópias. Iniciou TARV com emtricitabina, tenofovir e dolutegravir ao 30º dia de tratamento com ganciclovir.
DISCUSSÃO
Este caso evidencia a importância do reconhecimento da doença citomegálica como causa de doença neurológica. O tratamento dirigido ao CMV e o início de TARV são determinantes no prognóstico, havendo pouco consenso sobre o timimg para o início de TARV.