Sara Almeida Ramalho, Tomás Nunes, Margarida Serôdio, Elena Pirtac, João Namora
Introdução
A abordagem e tratamento bem sucedidos das patologias infeciosas implica o controlo adequado dos focos de infecção. No contexto de colecistite aguda em doentes com colelitíase crónica pode ocorrer bacteriémia com consequências graves. O caso descrito exemplifica uma das possíveis complicações.
Caso Clínico
Mulher, 86 anos, com internamento prévio por enfarte agudo do miocárdio, insuficiência cardíaca e insuficiência respiratória parcial manifestados por quadro com 5 dias de evolução de febre, prostração, dor retroesternal/epigástrica e vómito. Por agravamento dos sintomas com febre mantida, vómitos e icterícia foi de novo enviada ao serviço de urgência. Negava dor abdominal ou outras queixas.
Dos antecedentes pessoais destacava-se hipertensão arterial, diabetes mellitus tipo 2, insuficiência cardíaca, bronquite crónica e internamento cerca de 7 anos antes por pancreatite aguda alitiásica e colangite. Nessa altura não foi detectada litíase biliar nos exames de imagem, pelo que teve alta da consulta de Cirurgia Geral.
Na observação à admissão, febril, normotensa, taquicardica, ictérica, com sopro sistólico na área aórtica e discretos fervores crepitantes bibasais. Apresentava dor à palpação do hipocôndrio direito sem dor à descompressão ou outras alterações.
Analiticamente, leucocitose com neutrofilia, elevação da proteína C reactiva, hiperglicémia, bilirrubina total 7,1 mg/dl à custa da bilirrubina directa. Não foi realizada ecografia abdominal por haver um exame recente sem alterações. Após colheita de hemoculturas iniciou antibioterapia de largo espectro, tendo sido transferida para o serviço de Medicina Interna. Foi então pedida ecografia abdominal que revelou coledocolitíase e litíase vesicular. Realizou colangiopancreatoduodenografia retrograda endoscópica (CPRE) que confirmou coledocolitiase, tendo sido efectuada esfincterotomia e extracção dos cálculos biliares por balão.
As hemoculturas revelaram-se positivas para Enterococcus faecium apenas sensível à Vancomicina. Com o isolamento deste agente numa doente febril, com insuficiência cardíaca agravada e sopro sistólico, foi pedido ecocardiograma transesofágico (ETE) que revelou imagens compatíveis com vegetação na válvula aórtica, confirmando-se o diagnóstico de endocardite.
Cumpriu antibioterapia dirigida durante seis semanas, tendo-se assistido a melhoria clínica progressiva, com desaparecimento da imagem de vegetação no ETE.
Discussão
Nesta doente, os antecedentes de pancreatite aguda e colangite levavam à consideração de provável etiologia litiásica. A assumpção de etiologia diferente sem investigação complementar acabou por originar outras complicações graves. A hipótese diagnóstica considerada foi a de que a agudização relacionada com a litíase crónica tenha levado a bacteriémia e por sua vez a endocardite. A patologia biliar é relativamente frequente, pelo que este aspecto não deve ser descurado.