João Alexandre Tavares, Mário Parreira, Ana Emídeo, Patrícia Carneiro, Carolina Palma, Ricardo Pereira, Ermelinda Pedroso
Descreve-se o caso do que começou por ser uma chamada como tantas outras na urgência interna de medicina e que acabou por ser uma situação tão particular.
Trata-se de uma doente do sexo feminino, com 31 anos de idade, sem antecedentes patológicos de relevo, não fumadora, primípara, internada no serviço de obstetrícia após parto eutócico sem intercorrências. Destacava-se apenas um trabalho de parto prolongado, com cerca de 24 horas de evolução e um período expulsivo com necessidade de múltiplas manobras de Valsalva. Foi pedido apoio da urgência interna de medicina por queixas de dispneia ligeira, disfagia e assimetria da face. À observação, doente apresentava-se hemodinamicamente estável, normocárdica, eupneica e com uma saturação periférica de oxigénio de 99% em ar ambiente. Destacava-se enfisema subcutâneo extenso atingindo toda a região anterior e lateral do tronco e estendendo-se pela região cervical e face bilateralmente. Sem outras alterações ao exame físico, nomeadamente com auscultação cardiopulmonar sem alterações. Realizou radiografia de crânio e cervical que mostrava interposição de ar no tecido subcutâneo e tomografia computorizada (TC) de tórax que mostrava marcado enfisema da parede torácica anterior bilateral com extensão ao pescoço, associado a marcado pneumomediastino distribuído por todos os recessos e ligeiro pneumotórax bilateral. Assumiu-se, neste contexto, um pneumomediastino primário com enfisema subcutâneo associado – Síndrome de Hamman. Foi contactada a cirurgia torácica e a doente foi transferida. Foi observada, tendo sido decidido tratamento conservador com oxigenoterapia de alto débito, mantendo-se sob vigilância por período de 36 horas, ao fim do qual foi novamente transferida para o serviço de origem. Apresentou melhoria clínica progressiva ao longo do restante internamento, mantendo oxigenoterapia de alto débito. Verificou-se regressão quase completa do enfisema subcutâneo, tendo alta ao 7º dia de internamento. Realizou TC de tórax após 6 meses que mostrou resolução completa do quadro e ausência de alterações estruturais pulmonares.
O pneumomediastino pós-parto associado a enfisema subcutâneo, também conhecido como Síndrome de Hamman é uma complicação rara do parto vaginal, com apenas cerca de 200 casos descritos. Esta complicação ocorre geralmente em primíparas jovens e saudáveis. Pensa-se que esta síndrome ocorra por rutura de alvéolos marginais associada a uma sobreinsuflação repetitiva bem como a pressões intra-alveolares muito elevadas em contexto da manobra de Valsava na 2ª fase do parto. O diagnóstico diferencial é fundamental, com o objetivo de excluir complicações graves e com tratamento específico, nomeadamente enfarte agudo do miocárdio, embolia pulmonar ou disseção aórtica, uma vez que, na ausência de pneumotórax significativo que pode levar a instabilidade hemodinâmica, o Síndrome de Hamman é uma patologia benigna. Repouso, analgesia e oxigenoterapia são as bases terapêuticas e a recidiva é pouco comum.