Domingos Sousa, Rita Martins Fernandes, Ana Isabel Rodrigues, Mourão Carvalho, Hugo Calderon, Sílvia Castro, Javier Moreno, Cristina Granja
A cistite enfisematosa (CE) é uma complicação rara da infeção do trato urinário (ITU) caracterizada por gás na bexiga (intramunal e/ou transmural). A fisiopatologia da formação de gás permanece desconhecida. Contudo existem agentes microbiológicos produtores de gás claramente implicados: Eschericchia coli (E.coli) e Klebsiella pneumoniae.
Mais de 50% dos doentes com casos de CE apresentam diabetes mellitus (DM). Outros fatores de risco são a bexiga neurogénica e o género feminino. A apresentação clínica é inespecífica variando entre assintomáticos, sintomatologia compatível com ITU inferior, a dor abdominal, pneumatúria ou choque séptico.
CASO CLÍNICO
Género feminino, 24anos, antecedentes de DM1 com 15 anos de evolução com retinopatia e nefropatia estabelecidas.
Apresenta-se com dor, distensão abdominal e pneumatúria com 3 dias de evolução. Analiticamente com Leucocitose, Proteína C-reativa 116mg/L, exame sumário de urina com leucocitúria e hematúria microscópica. Foi medicada empiricamente com ceftriaxone 2gr/dia IV.
Após 3 dias de admissão, apresentou agravamento clínico com a TC-abdominal a descrever “gás na parede vesical inferior com possível solução de continuidade pelo que se admite provável perfuração intraperitoneal da bexiga secundária a cistite enfisematosa.” A telerradiografia de abdómen revelou bexiga com bolhas de gás intraluminal em forma de “colar de pérolas”. Dada a dor abdominal, contexto de sépsis e suspeita de rotura vesical, foi submetida a laparotomia exploradora que revelou bexiga sem lesões aparentes e sem fuga de azul de metileno. A urocultura identificou E.coli multissensível.
Foi admitida na Unidade de Cuidados Intermédios sob antibioterapia e tratamento de suporte. Assistiu-se a melhoria clínica e imagiológica, com desaparecimento do gás intravesical ao 2ºdia. Teve alta da UCInt e do hospital aos 9 e 35 dias.
DISCUSSÃO
A CE é uma complicação rara de ITU caracterizada por gás na bexiga. É mais frequente em mulheres diabéticas e a suspeição clínica é importante no seu diagnóstico, juntamente com a imagiologia e a história clínica.
Devem ser prontamente colhidas urocultura e hemocultura dado o risco de evolução para bacteriémia e choque séptico, tendo uma taxa de mortalidade descrita de 7%.
A maioria dos casos de cistite enfisematosa pode ser tratada com antibioterapia imediata se diagnosticados numa fase precoce e sempre que não surgirem complicações como perfuração vesical e peritonite secundária, que motivam necessidade de intervenção cirúrgica de urgência.
Assim, pretendemos alertar para o risco de cistite enfisematosa em doentes diabéticas e esclarecer que o prognóstico é favorável se a antibioterapia adequada for iniciada de imediato, bem como a intervenção cirúrgica precoce nas perfurações. Salientamos igualmente a importância destes doentes serem tratados em ambiente de unidades de cuidados intermédios e o seu relato dados os poucos casos descritos na literatura.