Joana Silva Ferreira, Patrícia Domingues, Ana Rita Piteira, Filipa Silva, Telma Caleça, Rita Silvério, Diana Pedreira, Pedro Freitas, Pedro Carreira, Susana Marques, Paula Lopes, Manuela Fera, Ermelinda Pedroso
A poliserosite, inflamação e derrame de várias membranas serosas, pode estar associada a múltiplas causas, nomeadamente neoplásica, infeciosa e auto-imune. No entanto, o seu diagnóstico etiológico continua a constituir um desafio, com a maioria dos casos a ser ainda considerada idiopática.
Apresenta-se o caso clínico de uma mulher de 27 anos, com antecedentes pessoais de psoríase e tabagismo. Recorreu ao Serviço de Urgência (SU) por mialgias e toracalgia anterior, agravada com inspiração profunda e decúbito. Encontrava-se febril, sem outras alterações ao exame objetivo. Apresentava elevação de parâmetros inflamatórios (PI), troponina negativa e eletrocardiograma (ECG) com ligeiro supradesnivelamento ST de concavidade superior em DII e aVF, bem como ligeira depressão PR em DII e V4-V6. Assumiu-se traqueobronquite e teve alta sob analgesia e antibioterapia empírica com amoxicilina+ácido clavulânico.
Por recorrência de toracalgia, com as mesmas características pleuríticas e com irradiação ao ombro esquerdo, regressou ao SU dez dias depois. Negava contexto epidemiológico de infeção. Objetivou-se febre e diminuição do murmúrio vesicular nas bases pulmonares. Analiticamente, tinha PI em rampa ascendente e mantinha troponina negativa. Realizou ECG, que apresentava taquicardia sinusal, já sem supra ST. A radiografia torácica revelou alargamento da silhueta cardíaca, pelo que realizou ecocardiograma, que constatou derrame pericárdico circunferencial grave, com boa função biventricular. Realizou-se pericardiocentese com drenagem de 840cc de líquido sero-hemático com características de exsudado com predomínio de polimorfonucleares e com adenosina desaminase 21 UI/L.
Admitiu-se pericardite aguda e a doente ficou internada para estudo etiológico, sob ibuprofeno e colchicina. Realizou tomografia computorizada torácica, abdominal e pélvica, que detetou derrame pleural bilateral e pequena quantidade de líquido no fundo-de-saco de Douglas. Realizou também estudo microbiológico e citológico do líquido pericárdico, Interferon Gamma Release Assay, serologias virais e estudo auto-imune.
Por persistência de febre e PI em crescendo, iniciou antibioterapia empírica com ceftriaxone e vancomicina, com descida de PI e apirexia ao 3º dia.
Os autores apresentam o caso para discussão de diagnósticos diferenciais de poliserosite no adulto jovem e também para evidenciar como a integração de pequenas alterações do ECG com a clínica se pode revelar essencial para um diagnóstico precoce.