Tatiana Salazar, Diana Fernandes, Margarida Almeida, Teresa Boncoraglio, Marília Silva, Carolina Lopes, Adriana Alves, Joana Simões
Introdução:
A anafilaxia é causada por uma reação de hiperssensibilidade multissistémica aguda, potencialmente fatal, em que ocorre uma libertação súbita de mediadores pelos mastócitos e/ou basófilos na circulação. Na maioria das vezes resulta de reações mediadas por IgE a alimentos, drogas e picadas de insetos, mas qualquer agente capaz de incitar uma desgranulação sistémica pode despertá-la.
Descrição do caso:
Homem, 40 anos, antecedentes de tabagismo ativo. Sem história de alergias alimentares ou medicamentosas. Admitido no serviço de urgência por quadro súbito de vómito, dispneia e lipotimia após o jantar. Queixas compatíveis com síndrome gripal com 2 semanas de evolução. Apresentava-se com alteração do estado de consciência, cianose central e periférica, edema da face e lábios, insuficiência respiratória com acidemia e hiperlactacidemia, hemodinamicamente estável, apirético, sem estridor ou pieira. Foi medicado com broncodilatadores, hidrocortisona e clemastina endovenosas e iniciou ventilação não invasiva (VNI). Analiticamente sem leucocitose, proteína C reativa elevada (60mg/L). ECG sem alterações de relevo. Angio-TAC torácico excluiu condensações parenquimatosas e tromboembolismo pulmonar. Admitido na Unidade de Cuidados Intermédios para tratamento e vigilância de insuficiência respiratória. Melhoria do estado de consciência em poucas horas, com desmame de VNI. Apurada a história, o doente referia ter comido lapas pela primeira vez no dia da admissão. Documentados níveis de triptase elevados, com curva em perfil descendente, e níveis de complemento e imunoglobulinas normais, excepto IgE elevado. Admitiu-se tratar-se de reação anafilática pelo que foi orientado para consulta de imunoalergologia com indicação para evicção de molúsculos, medicado com adrenalina injetável em SOS.
Discussão:
As situações de anafilaxia são de forma geral subreconhecidas e subtratadas. O envolvimento de órgão na anafilaxia é variável e imprevisível e pode diferir entre indivíduos, bem como entre episódios num mesmo indivíduo. Pode ser leve e resolver espontaneamente devido à produção endógena de mediadores compensatórios ou ser grave e progredir em questão de minutos para falência cardiocirculatória e morte. Este doente, apesar de insuficiência respiratória grave, evoluiu favoravelmente sem necessidade de adrenalina o que pode ser explicado por este facto. A colheita de uma história clínica detalhada na abordagem do doente crítico é de extrema importância. A falha no reconhecimento de um episódio inaugural de anafilaxia pode acarretar riscos potencialmente fatais para o doente e comprometer o tratamento de novos episódios. O objetivo do tratamento deve passar pelo reconhecimento e instituição de adrenalina precocemente para prevenir a progressão para manifestações ameaçadoras de vida, incluindo choque.