Joana Paixão1, André Saraiva1, Sandra Santos1, Joana Balseiro1, Bráulio Gomes1, Fátima Silva1, Pedro Ribeiro1, Armando Carvalho1,2
INTRODUÇÃO:A hepatopatia congestiva inclui um espectro de distúrbios hepáticos que ocorrem em contexto de insuficiência cardíaca (IC),sendo o quadro clínico dominado pelos sinais e sintomas de IC congestiva. A insuficiência ventricular direita/biventricular descompensada transmite a pressão auricular elevada ao fígado resultando em estase sinusoidal,atrofia parenquimatosa e fibrose.Na maioria das casuísticas, 80% dos casos de ascite são por cirrose hepática e apenas 5% atribuídos a IC. A peritonite bacteriana espontânea (PBE) é a complicação mais frequente da ascite com taxas de mortalidade até 30%. CASO CLÍNICO:Homem, 65 anos, com consumos etílicos marcados até há 1 ano, IC com FE reduzida, valvular e por FA, HTA, DM2 NIT e SAOS, recorre à urgência por queda.Medicado com furosemida 100mg, espironolactona 25mg, bisoprolol 5mg, sacubitril/valsartan 49/51 mg e metformina 1000mg, todos id e apixabano 5mg, 2id.Referia astenia,dispneia em repouso, ortopneia e ganho ponderal recente. Hipotenso, dispneico, ictérico, PVJ aumentada, sopro sistólico grau III/VI mais audível foco tricúspide, fervores bibasais, ascite tensa, com circulação colateral discreta, RHJ e edemas bimaleolares.Anemia NN, elevação marcada da PCR, leucocitose e Nt-proBNP, aumento do INR,lesão renal aguda, hipoalbuminémia, transaminases normais, discreta colestase,hiperbilirrubinémia mista e hipocolesterolémia.Realizou paracentese diagnóstica e evacuadora, com drenagem de 4L de líquido ascítico, cujo estudo sugeriu ascite por hipertensão portal, complicada com PBE. Iniciou cefotaxima ev 8/8h, espironolactona 100mg id e furosemida 40mg de 6/6h. Em D3 nova paracentese evidenciou evolução favorável da PBE e confirmou a hipótese de ascite cardíaca (GASA > 1.1g/dl e proteínas>4.2g/dl). Um fígado de dimensões normais e homogéneo em ecografia inicial foi à posteriori confirmado por TC que acrescentou ectasia da VCI e das veias hepáticas, com refluxo de contraste em fase arterial, reforçando a etiologia cardíaca da ascite. No ecocardiograma, dilatação das cavidades direitas e AE, depressão grave da FSG do VE (25-30%), insuficiência mitral e tricúspide graves e HTP moderada. Após 10 dias, o doente realizou levosimendan e teve alta para o domicílio, com resolução da ascite e globalmente melhorado. DISCUSSÃO: Desconhece-se o prognóstico da doença hepática de causa cardíaca e não existem estudos que avaliem o tratamento médico ideal. Distinguir a cirrose cardíaca da hepatite isquémica é crucial, já que, no último caso, pode ocorrer necrose hepática massiva resultante do compromisso hemodinâmico. A raridade deste caso clínico assenta na etiologia cardíaca da ascite, de marcado volume, com uma evolução indolente ao longo de meses e que se apresenta já complicada com PBE, resultando numa abordagem terapêutica desafiante por ter que incluir a causa primária, a congestão hepática, a ascite e a infecção, abordagem apenas possível através da visão integradora que caracteriza a Medicina Interna.