Introdução:
A enxaqueca é uma patologia frequente, afetando 15-20% da população. A enxaqueca hemiplégica (EH) representa uma minoria destes doentes, com uma prevalência de 0.01% da população geral. Manifesta-se sobretudo em doentes jovens com um pico de incidência dos 12-17 anos e com atingimento preferencial no sexo feminino (3♀:1♂). A sua etiofisiopatologia encontra-se ainda pouco esclarecida, mas a literatura sugere um mecanismo de auto-despolarização neuronal, com uma componente genética associada a canalopatias. A EH traduz-se por episódios pontuais e reversíveis de fraqueza muscular unilateral com início distal e duração variável (horas a meses), ocorrendo a cefaleia durante ou após o período de aura. Podem ocorrer simultaneamente alterações visuais como escotomas ou hemianopsia, alterações da linguagem, ataxia, febre ou défices sensitivos. Dado que a sintomatologia pode mimetizar outras patologias neurológicas é necessário excluir eventos isquémicos, infeciosos, tumorais, convulsivos e metabólicos através da anamnese e exame físico detalhados, estudo laboratorial, imagiológico (CT e/ou RM), funcional (EEG) ou de intervenção (punção lombar). O diagnóstico de EH é clínico, sendo de vital importância obter um diagnóstico correto precoce de forma a iniciar um tratamento dirigido e eficaz na prevenção das crises. Na fase aguda os AINEs e os anti-eméticos são largamente utilizados, sendo o verapamilo, a flunarizina e a acetazolamida os agentes profiláticos de eleição e a lamotrigina, amitriptilina, o topiramato e o ácido valpróico agentes de segunda linha. O uso de triptanos e ergotaminas é contraindicado na EH pelo potencial de vasoconstrição.
Caso clínico: Doente do sexo masculino de 43 anos, com internamento recente (há 1 mês) em Unidade de AVC por défice motor e sensitivo do hemicorpo esquerdo, tendo sido assumido AIT. Recorre ao Serviço de Urgência encaminhado pelo Médico Assistente por quadro de cefaleia frontal, febre, diminuição da força muscular e hipostesia do membro superior (MS), membro inferior (MI) e hemiface esquerda com 24 horas de evolução. Ao exame físico destacava-se uma força motora de grau 3 no MS e de grau 4 no MI esquerdo. Neste contexto foi realizado estudo analítico, TC crânio-encefálica e punção lombar que não revelaram alterações. Sob tratamento sintomático, o doente teve melhoria clínica progressiva, tendo alta e encaminhamento para Consulta de Neurologia, tendo sido assumido diagnóstico de EH e iniciado Topiramato 25mg bid para prevenção de crise. Atualmente aguarda estudo genético para EH Familiar do tipo 2.
Discussão:
Este caso pretende alertar para esta patologia que embora seja rara tem manifestações clínicas que simulam emergências neurológicas. Apesar de na grande maioria dos doentes a sintomatologia ser totalmente reversível, nos casos mais graves (associados a episódios convulsivos e coma) pode ocorrer lesão cerebral permanente, isquemia, atrofia, diminuição cognitiva e morte.