Marta Freixa(1), João Bettencourt Abreu(2), Diana Buendía Palacios(1), Joana Barbosa Rodrigues(1), André Ferreira Simões(3), Sara Úria(1), Glória Nunes da Silva(1)
INTRODUÇÃO: A Febre Q é uma zoonose causada pela Coxiella burnetti e ocorre principalmente pela inalação de aerossóis ou poeiras que contém esporos do agente resultantes do contacto directo com animais infectados e os seus produtos ou com o ambiente contaminado por estes. Caracteriza-se por um amplo espectro de manifestações clínicas, desde formas assintomáticas até síndromes febris mais ou menos prolongados, com ou sem focalizações. Dever-se-á considerar a sua suspeita no diagnóstico diferencial de febre de origem indeterminada.
CASO CLÍNICO: Homem 57 anos, hipertenso, diabético e obeso, encontrava-se desde há 3 dias com mialgias, coriza e febre. Por dor pré-cordial com irradiação para o hipocôndrio esquerdo recorre ao Serviço de Urgência. Aqui encontrava-se sudorético mas apirético, com SpO2 88%, PaO2 60 mmHg em ar ambiente, auscultação cardio-pulmonar sem alterações e sem alterações cutâneas nomeadamente exantema. Laboratorialmente sem leucocitose, proteína C-reactiva (PCR) 7,72 mg/dL, trombocitopénia 81x10^9/L plaquetas, d-dímeros 0,59 ug/dL e troponina normal. Por suspeita de tromboembolismo pulmonar realiza angio-TC tórax que exclui, com apenas evidência de adenopatias hilares. É internado e, admitida infecção respiratória baixa, é iniciada antibioterapia (AB) com amoxicilina/ácido clavulânico e azitromicina, alterada ao 4º dia para ceftriaxone por persistência de febre e agravamento dos parâmetros inflamatórios (PCR 19,5 mg/dL). As hemoculturas foram negativas (incluindo micobactérias). Por persistência de febre após 15 dias de antibioterapia foram realizadas serologias HIV 1 e 2 e IGRA que foram negativos, TC toraco-abdomino-pélvica que excluiu a existência de colecções sugestivas de abcessos e a ecocardiografia excluiu endocardite infecciosa. Após revisão do contexto epidemiológico do doente (contacto com cadáveres de pássaros) foram também pedidas serologias para Chlamydia psitacci e Febre Q. Foi iniciada doxicilina (cumpriu 21 dias), com posterior apirexia, sem necessidade de oxigenioterapia e com diminuição dos parâmetros inflamatórios. As serologias para Chlamydia psitacci foram negativas e da Febre Q positivas (IgG fase I 1/16 e II 1/32; IgM fase I 1/64M e II 1/64), confirmando-se o diagnóstico de Febre Q aguda. Mantém seguimento em consulta já com repetição de serologias de Febre Q com títulos IgM em fase decrescente e IgG em fase crescente.
DISCUSSÃO: A febre prolongada sem resposta à antibioterapia e o contexto epidemiológico do doente levantaram a suspeita de possível zoonose, com serologias posteriormente positivas para infecção aguda a Coxiella burnetti. A Febre Q aguda tem bom prognóstico se diagnosticada e tratada atempadamente, tal como aconteceu neste caso. Em casos raros poderá tornar-se crónica com implicações futuras graves nomeadamente endocardite, pelo que é crucial o follow-up destes doentes.